Por David Ljunggren
(Reuters) - O ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, que encerrou a Guerra Fria sem derramamento de sangue, mas não conseguiu evitar o colapso da União Soviética, morreu nesta terça-feira aos 91 anos, informou um hospital em Moscou.
Gorbachev, o último presidente soviético, firmou acordos de redução de armas com os Estados Unidos e parcerias com potências ocidentais para remover a Cortina de Ferro que dividia a Europa desde a Segunda Guerra Mundial e promover a reunificação da Alemanha.
Mas suas amplas reformas internas ajudaram a enfraquecer a União Soviética a ponto de desmoronar, um acontecimento que o atual presidente russo, Vladimir Putin, chamou de "maior catástrofe geopolítica" do século XX.
"Mikhail Gorbachev morreu esta noite após uma doença grave e prolongada", disse o Hospital Clínico Central da Rússia em comunicado.
Putin expressou "suas mais profundas condolências", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, à agência de notícias Interfax.
"Amanhã ele enviará um telegrama de condolências à sua família e amigos", disse.
Putin disse em 2018 que reverteria o colapso da União Soviética se pudesse, segundo agências de notícias na época.
Líderes mundiais foram rápidos em prestar homenagens. A chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que Gorbachev abriu o caminho para uma Europa livre.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, citando a invasão da Ucrânia por Putin, disse que o "compromisso incansável de Gorbachev com a abertura da sociedade soviética continua sendo um exemplo para todos nós".
Após décadas de tensão e confrontos da Guerra Fria, Gorbachev aproximou a União Soviética do Ocidente mais do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial.
Mas ele viu esse legado naufragar nos últimos meses de sua vida, quando a invasão da Ucrânia provocou sanções ocidentais contra Moscou, e políticos na Rússia e no Ocidente começaram a falar de uma nova Guerra Fria.
"Gorbachev morreu de forma simbólica quando o trabalho de sua vida, a liberdade, foi efetivamente destruído por Putin", disse Andrei Kolesnikov, membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace.
Gorbachev ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1990.
Ele será enterrado no cemitério Novodevichy, em Moscou, ao lado de sua esposa Raisa, que morreu em 1999, disse a agência Tass, citando a fundação que o ex-líder soviético criou quando deixou o cargo.
Quando protestos pró-democracia varreram as nações do bloco soviético na Europa Oriental comunista em 1989, Gorbachev se absteve de usar a força, ao contrário de líderes anteriores do Kremlin, que enviaram tanques para esmagar revoltas na Hungria em 1956 e na Tchecoslováquia em 1968.
Mas os protestos alimentaram aspirações de autonomia nas 15 repúblicas da União Soviética, que se desintegrou nos dois anos seguintes de forma caótica. Gorbachev lutou em vão para evitar esse colapso.
"A era de Gorbachev é a era da ´perestroika´, a era da esperança, a era da nossa entrada em um mundo livre de mísseis... mas houve um erro de cálculo: não conhecíamos bem nosso país", disse Vladimir Shevchenko, que chefiou o escritório de protocolo de Gorbachev quando ele era líder soviético.
Ao se tornar secretário-geral do Partido Comunista Soviético em 1985, com 54 anos, ele se propôs a revitalizar o sistema de governo introduzindo liberdades políticas e econômicas limitadas, mas suas reformas saíram do controle.
"Ele era um bom homem - era um homem decente. Acho que sua tragédia está no sentido de que ele era decente demais para o país que liderava", disse o biógrafo de Gorbachev, William Taubman, professor emérito do Amherst College, em Massachusetts .
A política da "glasnost" (transparência) de Gorbachev permitiu críticas anteriormente impensáveis ao partido e ao Estado, mas também encorajou nacionalistas que começaram a pressionar pela independência nas repúblicas bálticas da Letônia, Lituânia, Estônia, além de outros lugares.
Muitos russos nunca perdoaram Gorbachev pela turbulência que suas reformas desencadearam, considerando a queda subsequente em seus padrões de vida um preço alto demais a pagar pela democracia.
Depois de visitar Gorbachev no hospital em 30 de junho, o economista liberal Ruslan Grinberg disse ao jornal das Forças Armadas, o Zvezda: "Ele nos deu toda a liberdade, mas nós não sabemos o que fazer com ela".
(Reportagem de David Lljunggren, em Ottawa; Mark Trevelyan, em Londres; Roselle Chen, em Nova York; e Elaine Monaghan)