Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - A retomada do julgamento sobre o orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal (STF) traz ruídos e pode atrapalhar as negociações para a aprovação da PEC da Transição na Câmara, mas a perspectiva, segundo parlamentares consultados, é que ela seja aprovada.
Votada nesta quarta-feira pelo Senado com placar bem confortável para o governo eleito, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pode não encontrar um caminho tão fácil na Câmara, cujo presidente, Arthur Lira (PP-AL), está contrariado com a possibilidade de extinção das chamadas emendas do relator, o nome formal do orçamento secreto, pela Suprema Corte já na semana que vem, relatam duas fontes que acompanham as negociações no Congresso.
Ainda assim, garantem essas duas fontes, ela deve ser aprovada porque sua vigência facilitará a vida do governo atual para fechar suas contas --o texto tem um mecanismo que ajuda a liberar recursos ainda em 2022, inclusive para emendas do orçamento secreto.
"Acho que a PEC será usada pra forçar uma situação em relação ao orçamento secreto mas, ao final, será aprovada como veio do Senado", avaliou uma das fontes.
Outro fator que indica a tendência de aprovação diz respeito ao ônus político de votar contra uma proposta que abre espaço fiscal para o pagamento do Bolsa Família de 600 reais, somados a 150 para famílias com crianças pequenas, lembrou a segunda fonte.
"Só os extremos dos extremos votariam contra, por isso que foi com folga no Senado. E tem a questão midiática também, tem muita gente que não quer ser associado a ser contra o auxílio de 600 reais", disse.
Ainda assim, a tramitação da PEC na Câmara vai exigir do novo governo traquejo político e capacidade de negociação, situação reconhecida até mesmo pelo senador eleito Wellington Dias (PT-PI), encarregado pela negociação da PEC no Congresso.
Uma terceira fonte, liderança parlamentar que participa das conversas na Câmara sobre o assunto, confirma a percepção de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e seus articuladores terão de suar a camisa se quiserem aprovar a PEC da forma que foi encaminhada pelos senadores.
"Vai enfrentar mais dificuldades na Câmara que no Senado", disse o parlamentar. "Se fosse para hoje, ainda não estaria alinhado para votar. Vamos ver o decorrer da semana."
O líder do atual governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), acredita que a votação da proposta no plenário da Casa será mais demorada e trabalhosa. Prevê, ainda, que haverá um número maior de tentativas de mudanças no texto.
"Teremos mais destaques", disse à Reuters, referindo-se às emendas separadas para votações isoladas após a análise do texto principal da matéria.
Mudanças no Orçamento secreto
Apontado como instrumento de barganha política por críticos, o orçamento secreto foi questionado no STF e objeto de uma decisões da corte, ainda no ano passado, que chegou a suspender sua execução e determinou maior transparência sobre a destinação das emendas de relator.
Em resposta, o Congresso aprovou projeto de resolução e ato normativo na intenção de conferir transparência às emendas, mas as novas regras não trouxeram a publicidade esperada.
Agora que o STF retomou o julgamento do caso --a ser continuado na próxima semana, justamente quando deve ser votada a PEC da Transição na Câmara-- parlamentares acenam com sugestões de medidas legislativas que confiram não apenas transparência ao instrumento, mas também critérios para a distribuição.
Como regras para a destinação de recursos, algumas propostas exigem que sejam voltados a investimentos, áreas estruturantes do governo, saúde, educação, e de forma proporcional à população dos Estados e municípios.
A ideia de conferir equidade na distribuição das emendas --cada parlamentar receberia valores iguais para indicarem às suas bases-- é uma das que mais pega no calcanhar de Lira, segundo uma das fontes, porque tiraria dele "o poder de indicar".
Uma outra fonte parlamentar avalia que a manutenção do apoio de Lira e do centrão ao novo governo passa pela continuidade do orçamento secreto. A solução, portanto, seria arrumar um jeito de o instrumento não "cheirar mal".
Lula tem amenizado o tom contra o orçamento secreto em relação à campanha enquanto o PT já costurou apoio à reeleição de Lira à presidência da Câmara.
O líder do partido na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), defende que o papel das emendas seja discutido e que sejam definidos critérios para a destinação desses recursos.
"É um debate que cabe mais ao Parlamento nesse momento do que ao governo... Por exemplo, um país não pode ter emendas parlamentares desconectadas das políticas públicas", defendeu o líder petista.
"Tem que ter uma dimensão do país como um todo, tem que ter transparência, tem que ter equidade. Tem que ter uma dimensão do país como um todo, tem que ter transparência, tem que ter equidade. E ela deve ajudar nas obras de investimentos, programas estruturantes, se não fica muito individual", acrescentou.