Por Rafaella Barros e Andre Romani e Gabriel Stargardter
(Reuters) - A votação de segundo turno das eleições brasileiras foi marcada por operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que realizou a abordagem de centenas de transportes públicos para eleitores neste domingo mesmo após a proibição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia anterior.
No sábado, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, proibiu a PRF de realizar operações que afetassem transportes de eleitores, sob pena de serem processados por desobediência e crime eleitoral.
No entanto, múltiplas denúncias vieram à tona pelo país, acusando a PRF de descumprir as ordens do órgão eleitoral. Até às 17h, 619 ônibus foram parados em blitze dos agentes, quase metade deles na região Nordeste, de acordo com o controle interno da PRF consultados pelo portal UOL.
Os Estados do Nordeste eram um especial campo de batalha na disputa deste domingo, porque é onde o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva obtinha, de acordo com as pesquisas, a maior vantagem em relação ao presidente Jair Bolsonaro. Qualquer aumento na abstenção provavelmente pioraria o desempenho do petista.
As ações pela manhã provocaram uma onda de denúncias de eleitores nas redes sociais e levaram Moraes a intimar o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, para prestar esclarecimentos. A autoridade policial alegou que todas as operações seguiam o Código de Transito Brasileiro.
Pouco depois das 15h, o presidente do TSE afirmou que as blitze não impediram que eleitores pudessem votar, descartando a possibilidade de estender o horário de votação --o PT chegou a pedir que as seções eleitorais ficasse abertas até às 19h, mas o pedido não prosperou.
"O que aconteceu hoje é criminoso. É a utilização da PRF com fins eleitorais. Fechar as eleições com uma operação criminosa", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
DOCUMENTO
Moraes minimizou os efeitos das operações --a abstenção média no país foi de 20,57%, contra 20,95% no primeiro turno--, mas afirmou que todos os casos serão apurados.
No Ceará, o Observatório de Intolerância Política e Ideológica, núcleo que reúne a Defensoria Pública estadual e outros órgãos, registrou 10 denúncias ao longo do dia de blitze que estavam atrapalhando o trânsito de eleitores, segundo o defensor público Leandro Bessa.
Bessa afirmou que as denúncias se referiam a abordagens de blitzes em quatro pontos do Estado, incluindo na BR-020 e na BR-116. "Entramos em contato com o procurador-regional eleitoral, Samuel Arruda, que recebeu as denúncias e tomou as providências. Depois, fomos aos locais, por volta de 15h30/16h, verificar in loco, e eles [os policiais] não estavam mais", disse.
Segundo o defensor, não houve nenhuma denúncia de eleitor não tenha conseguido votar, antes do encerramento, às 17h.
Todo o episódio eleva o escrutínio sobre o diretor Silvinei Vasques, que, de acordo com o G1 e outras publicações, usou sua conta no Instagram no sábado para pedir voto em Jair Bolsonaro, em mensagem que foi apagada neste domingo.
A Reuters obteve um documento interno da PRF, com data deste 30 de outubro, no qual Vasques orientava seus agentes a continuar realizando operações nas rodovias brasileiras, desde que não contrariassem a proibição do TSE de se abaster de ações que afetassem o direito do voto.
Uma fonte da PRF, que passou o documento à Reuters, disse que Vasques estava tentando se proteger, enquanto dava a seus agentes liberdade para fazer o que bem entendessem.
"O diretor-geral determinou que não fossem efetuadas inspeções centradas exclusivamente em veículos de transporte de passageiros", disse a fonte, falando sob condição de anonimato.
"Mas ele permitiu aos policiais fiscalizarem o que eles quisessem. E também manteve as centenas de policiais extras nas ruas, saturando as estradas com policiais que são em sua maioria apoiadores de Bolsonaro", seguiu a fonte.
Sob Bolsonaro, a PRF chegou ao maior efetivo de sua história, com cerca de 13,9 mil servidores em exercícios no órgão, de acordo com o Portal da Transparência.
Essa não é a primeira vez nos últimos meses que a PRF vem ao foco do debate público. Em maio, vídeos de Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, sendo asfixiado com gás no porta-malas de uma viatura policial em Sergipe depois de ter sido parado pela corporação provocaram indignação. As imagens mostravam policiais lançando uma bomba de gás no interior do porta-malas em que ele estava.
Na ocasião, a PRF disse que ele foi preso porque resistiu a abordagem da polícia. Após o caso, o governo decidiu dispensar dois diretores da cúpula da PRF. Vasques foi mantido.
A PRF também tem participado de operações em comunidades do Rio, algumas resultantes em mortes, e tem sido questionada pelo Ministério Público Federal fluminense.
(Reportagem adicional de Ricardo Brito e Fernando Cardoso. Edição de Flávia Marreiro)