Por Debora Ely Silveira
PORTO ALEGRE (Reuters) - Na reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro fez uma série de alegações infundadas sobre supostas fraudes eleitorais, como a de que urnas preencheriam votos automaticamente.
A partir de quinta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julga se Bolsonaro deve ficar inelegível por oito anos por causa do evento, que teve transmissão ao vivo pela TV do governo e via redes sociais.
A ação foi apresentada pelo PDT, para quem Bolsonaro se valeu de seu cargo e do aparato estatal para atacar o voto eletrônico “como estratégia de campanha”, violando a igualdade da disputa. A Procuradoria-Geral Eleitoral também defendeu a inelegibilidade do ex-presidente.
A defesa de Bolsonaro afirma que o evento foi um “ato de governo”, não eleitoral, e que as “falas (foram) permeadas de conteúdos técnicos”.
Veja abaixo os principais pontos do discurso de Bolsonaro na ocasião.
URNAS E APURAÇÃO
Na reunião, Bolsonaro declarou que as urnas eletrônicas teriam preenchido automaticamente votos para o PT em 2018.
A tese falsa circula desde aquele ano impulsionada por um vídeo em que um eleitor aperta a tecla 1, e a urna supostamente completa o voto para o número 13, do PT. A Justiça Eleitoral concluiu que as imagens eram uma montagem, pois continham cortes e não mostravam a tela e o teclado da urna simultaneamente.
Bolsonaro também repetiu que uma empresa terceirizada faria a contagem dos votos das eleições, o que não é verdade. O TSE tem um contrato com a Oracle (NYSE:ORCL) para o fornecimento de dois supercomputadores e de softwares de bancos de dados, mas o tribunal controla os equipamentos.
ATAQUE HACKER
Bolsonaro disse aos embaixadores que um inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao sistema do TSE mostrou irregularidades nas eleições de 2018. Em 2021, o ex-presidente publicou documentos do caso -- até então sigilosos -- em seus perfis. A divulgação o levou a ser alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
O ex-presidente alegou que, segundo o inquérito, os hackers “poderiam alterar nomes de candidatos, tirar votos de um e transferir para outros”.
A investigação não cita adulteração de votos, embora o TSE tenha admitido a possibilidade de mudanças de dados de partidos e candidatos restritas à eleição suplementar de Aperibé (RJ) em 2018.
A Justiça Eleitoral afirma que o acesso “não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018” nem “teve qualquer impacto sobre o resultado”. Segundo o TSE, o código-fonte das urnas eletrônicas não pode ser adulterado após ser assinado digitalmente e lacrado e que, por elas não serem conectadas à internet, não há “qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração”.
De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o delegado da PF responsável pelo inquérito do ataque hacker, Victor Neves Feitosa Campos, disse em depoimento que não havia nenhum indício de adulteração de votos.
AUDITORIA
O ex-presidente afirmou aos diplomatas que seria “impossível fazer uma auditoria” no sistema eleitoral brasileiro, apesar de o TSE autorizar mais de 10 processos de fiscalização das urnas eletrônicas antes, durante e após o pleito envolvendo representantes de entidades públicas e privadas. Nenhuma irregularidade foi comprovada até hoje.
Bolsonaro também disse na reunião que o TSE rejeitou as sugestões apresentadas à Comissão de Transparência das Eleições pelas Forças Armadas. Porém, a Justiça Eleitoral acolheu integralmente ou parcialmente 10 das 15 propostas levadas pela instituição, disse que analisaria quatro e, de fato, rejeitou uma, que pedia um relatório público de abstenções no pleito.
MINISTROS
Bolsonaro ainda fez uma série de ataques a atuais ou ex-ministros do TSE. Disse, por exemplo, que Edson Fachin “sempre foi advogado do MST” e que Luís Roberto Barroso ministrou uma palestra nos Estados Unidos sobre “como se livrar de um presidente”.
No entanto, Fachin nunca atuou na defesa do MST. Esta desinformação surgiu após o ministro assinar, em 2008, um documento do movimento que defendia ocupações de terra como “atos legítimos”.
Já Barroso de fato participou de um evento na Universidade do Texas no ano passado chamado “Afastando um Presidente: Desenho Constitucional do Poder Executivo na América Latina”. O tema de sua palestra, porém, era “Populismo Autoritário, Resistência Democrática e Papel das Supremas Cortes”, e o magistrado não mencionou um eventual impeachment do ex-presidente.