Por Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA, (Reuters) - O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira, com placar folgado, a indicação do advogado Cristiano Zanin pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), após uma sabatina com oito horas de duração marcada por um clima de tranquilidade até mesmo por parte de membros da oposição.
O placar da votação foi de 58 votos a favor e 18 contra. Eram necessários ao menos 41 votos favoráveis. O resultado folgado ficou dentro da expectativa do governo, de que Zanin receberia entre 50 e 60 votos de um total de 81 senadores, inclusive com apoio da oposição.
Zanin advogou para Lula nos processos da Lava Jato e esteve à frente da ação que resultou na anulação das condenações do petista pelo STF. No entanto, durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado antes da votação, disse que sua proximidade com o presidente se dá apenas pela relação "bastante frequente" na condição que teve como advogado dele.
Durante a sabatina, Zanin afirmou que não julgará processos em que tenha atuado como advogado, mas sinalizou que pode não se declarar impedido de analisar casos ligados à operação Lava Jato que chegarem ao STF.
O advogado foi um crítico público da operação, mas disse não acreditar que uma mera "etiqueta" de Lava Jato em um processo seja critério jurídico suficiente para determinar seu impedimento de julgar o caso como ministro do Supremo.
"Não acredito que o simples fato de colocar uma etiqueta, indicar o nome Lava Jato, pode ser um critério jurídico para aquilatar (determinar) a suspeição ou o impedimento", afirmou.
Zanin ressaltou que o controle sobre um eventual impedimento deve ser feito com base no que está previsto em lei e que há regras objetivas referente ao tema.
As falas de Zanin foram uma resposta ao senador Sergio Moro (União-PR), principal juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba e que condenou Lula em primeira instância, abrindo caminho para a condenação em segunda instância e consequente prisão do agora presidente por 580 dias e sua inelegibilidade na eleição de 2018.
Havia a expectativa de um embate entre Zanin e Moro, que promoveram confrontos jurídicos durante audiências da Lava Jato na capital paranaense, mas ambos se trataram de forma cortês. Moro chegou inclusive a ressalvar que os questionamentos feitos não eram de caráter pessoal.
Ao longo das oito horas de sabatina, Zanin evitou se pronunciar diretamente sobre temas controversos como o aborto e o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
"Em tese, a nossa Constituição prevê tanto, de um lado, o direito à propriedade como garantia fundamental, e também prevê o direito dos povos originários. Então, tanto a atividade legislativa como o eventual julgamento deverão sopesar esses valores, acredito eu, e chegarem a uma forma de conciliar esses valores", afirmou.
"Acredito também que o próprio Supremo esteja produzindo uma boa solução em relação a esse assunto, segundo tenho visto na imprensa", disse, lembrando que tanto o STF quanto o Congresso debatem o tema.
Ao comentar sua carreira na exposição inicial aos senadores, Zanin disse que sempre defendeu a Constituição e o amplo direito de defesa. "Para mim só existe um lado. O outro é barbárie, é abuso de poder", afirmou.
O agora aprovado para assumir o posto de ministro do STF colocou-se ainda a favor do combate à corrupção, desde que respeitado o devido processo legal. "O que não se pode fazer... é usar o combate à corrupção como pretexto para perseguir pessoas, empresas, e instituições".
"Lawfare"
Zanin vai assumir a cadeira deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski em abril, quando ele completou 75 anos e se aposentou compulsoriamente. Zanin, que atualmente tem 47 anos, poderá ficar no cargo até novembro de 2050, quando completará 75 anos.
Formado em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1999, Zanin chegou ao posto de principal advogado de Lula por um elo de família. Ele tem como sócia em seu escritório a esposa, Waleska Zanin Martins, com quem tem três filhos. Waleska é filha de Roberto Teixeira, compadre de Lula e que há décadas atuava como advogado do petista.
A principal linha da defesa de Lula apresentada por Zanin, que ele chegou a apresentar em foros internacionais, foi apontar que Moro era parcial e tinha objetivos políticos ao mirar Lula.
O advogado martelou que Lula era alvo de "lawfare", termo em inglês que define o "uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo". Na cruzada, Zanin lançou livro sobre o tema, até então pouco debatido no Brasil.
Até que as vitórias chegassem, no entanto, o advogado foi alvo de críticas, diante das derrotas que o petista obteve em diversas instâncias da Justiça que levaram, em 7 de abril de 2018, o então ex-presidente a ser preso após condenação em segunda instância em um dos processos da Lava Jato.
Depois da vitória na Lava Jato, Zanin voltou a atuar na área empresarial, área em que, no passado, em parceria com o sogro Roberto Teixeira, cuidou de casos como a recuperação judicial da Varig e da falência da Transbrasil.
Mais recentemente atuou na revisão da leniência da J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e foi contratado pela Americanas (BVMF:AMER3), em meio à crise com os credores após o pedido de recuperação judicial da varejista.