Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira o julgamento do marco temporal das terras indígenas, em meio a protestos de representantes dos povos originários contra a medida e o avanço da discussão sobre o tema no Congresso Nacional.
O julgamento, que está empatado em 1 voto a 1 e tinha sido paralisado em 2021 por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, será retomado com o voto-vista do magistrado. A tendência, segundo a Reuters apurou com fontes do Supremo, é que a tese seja derrubada, mas não está descartado um novo pedido de vista.
Desde a semana passada, indígenas estão acampados na área central de Brasília para pressionar as autoridades pela rejeição da adoção do marco temporal e acompanhar a análise do caso na Esplanada dos Ministérios. Uma delegação de lideranças, entre elas do povo xokleng, que está no centro da discussão do caso, vai acompanhar o julgamento no plenário do STF.
De maneira geral, a tese do marco temporal, se vencedora, introduziria uma espécie de linha de corte para as demarcações de terras indígenas. As terras só seriam passíveis de demarcação se ficar comprovado que os índios estavam nelas até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Do contrário, não haveria esse direito.
O tema ganhou maior destaque na semana passada após a Câmara dos Deputados ter aprovado, por 283 votos a favor e 155 votos contra, um projeto de lei para estabelecer o marco temporal, diante de forte apoio da bancada ruralista e do aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Atores de Hollywood como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo chegaram a se manifestar nas redes sociais contra a aprovação da proposta pela Câmara.
O projeto sobre o assunto seguiu para o Senado, onde deve ter um ritmo menos acelerado de votação do que na Câmara.
Dados do Mapa da Violência contra os Povos Indígenas produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em 2021 apontam que, das 1.393 terras indígenas no Brasil, 437 foram registradas ou homologadas no país.
O assessor jurídico do Cimi Rafael Modesto estimou à Reuters que uma decisão a favor da adoção do marco temporal vai ter um impacto em 90% a 95% de todas as comunidades indígenas no Brasil.
Para Modesto, se a tese passar, mesmo áreas que já tiverem sido demarcadas com base na Constituição poderão ser alvos de pedidos de revisão judicial, uma vez que o marco temporal se limita à posse física em outubro de 1988.
"Isso significaria um prejuízo cultural, de perda de línguas, usos e costumes. Sem a terra, sem a existência indígena, a aprovação do marco temporal é o princípio do genocídio", criticou o assessor do Cimi.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que defendia o marco, não foi feita qualquer nova demarcação de terra indígena. O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou os processos.