Por Tatiana Ramil e Lisandra Paraguassu
SÃO BERNARDO DO CAMPO/BRASÍLIA (Reuters) - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ignorou o prazo dado pelo juiz federal Sérgio Moro para que se entregasse nesta sexta-feira à Política Federal e permaneceu no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, acompanhado por simpatizantes e político.
Moro havia dado até as 17h desta sexta para Lula, de 72 anos, se entregar à Polícia Federal em Curitiba e começar a cumprir a pena de 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso de um apartamento tríplex.
À noite, a Polícia Federal informou que o mandado de prisão não seria cumprido nesta sexta-feira. Uma fonte com conhecimento do assunto disse à Reuters que negociações entre Lula e a PF, iniciadas mais cedo, "continuam e deverão chegar a bom termo" no sábado.
Lula deve ficar no sindicato pelo menos até a manhã de sábado, quando está marcada uma missa em homenagem a ex-primeira-dama Maria Letícia, que faleceu no ano passado, e que faria aniversário nesse dia.
Também à noite a defesa do ex-presidente apresentou uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de que a corte conceda uma liminar para suspender a ordem de prisão. Isso depois de ter um pedido de habeas corpus rejeito pelo Suprerior Tribunal de Justiça (STJ).
A ação no STF contesta o fato de não ter se encerrado a possibilidade de se apresentar novos recursos nesse processo perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), bem como alega que houve a afronta a decisão do plenário do Supremo de que a execução provisória da pena em segunda instância não é automática e ainda precisa ser fundamentada. [nL2N1RJ27P]
A reclamação foi distribuída para o ministro Edson Fachin, embora a defesa do ex-presidente tenha requerido que o caso fosse relatado pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator das duas ações declaratórias de constitucionalidade que discutem a revisão da prisão em segunda instância.
Fachin chegou a devolver a ação para a presidente do STF, Cármen Lúcia, para que ela decidisse sobre a relatoria. A presidente resolveu deixar o próprio Fachin como relator.
ENDEREÇO CONHECIDO
Desde cedo, interlocutores afirmaram que Lula não se entregaria à polícia em Curitiba.
Em discurso em frente ao prédio de sindicato, dirigido a milhares de pessoas, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmannn (PR), disse que o sindicato é um local de batalhas e lá a militância permanecerá com Lula.
"Lula está aqui no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, um lugar público, que muitas pessoas sabem onde ele está. Aliás, o mundo sabe onde ele está, vocês estão acompanhando. E aqui ele permanecerá junto com a militância", disse Gleisi a jornalistas antes de discursar em carro de som.
Ela negou que Lula esteja desobedecendo a ordem de Moro, pois o juiz deu a opção de ele se entregar e o petista decidiu não exercer essa opção.
Um esperado pronunciamento de Lula no sindicato, onde iniciou a carreira política, acabou não acontecendo.
Além do habeas corpus no STJ e a reclamação no STF, a defesa de Lula também protocolou nesta sexta-feira no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas uma medida cautelar com pedido de liminar para impedir a prisão do petista antes do esgotamento de todos os recursos jurídicos.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que estava dentro do sindicato, defendia que Lula não se entregasse à PF.
"Lula é inocente e tem o direito de responder em liberdade. Se é inocente, por que se entregar? Se querem prender a partir de um mandado arbitrário e inconstitucional, que eles venham prendê-lo", disse a petista. Segundo a parlamentar, o ex-presidente estava sereno.
Advogados criminalistas ouvidos pela Reuters disseram que o fato de Lula decidir não se entregar não pode agravar a situação processual dele.
O especialista em direito penal do IDP Fernando Castelo Branco explicou que se Lula não se apresentasse à PF isso não deveria implicar em mudança em algumas das condições determinadas por Moro para a detenção, como a reserva de uma sala para o petista em Curitiba. "Isso não pode ser um castigo."
Na mesma linha, o diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCrim), Renato Stanziola Vieira, disse que a única possibilidade de agravar a situação de Lula seria se ele fosse considerado foragido, mas isso só poderia ocorrer caso as autoridades policiais não venham encontrá-lo em nenhum dos endereços em que ele poderia estar.
"O Supremo já reconheceu mais de uma vez que se a pessoa reputar a prisão como injusta, não se entregar não pode pesar contra ela", disse Vieira.
CHORO E EUFORIA
A manifestação de apoiadores do ex-presidente em São Bernardo do Campo teve gritos contra o juiz Sérgio Moro, euforia com discursos inflamados e choro de alguns simpatizantes. [nL2N1RJ25X]
Milhares de pessoas se espremeram em uma rua estreita diante do sindicato dos metalúrgicos do ABC e permaneceram por horas acompanhando discursos de deputados, líderes de partidos de esquerda e representantes de sindicatos e movimentos sociais.
Os gritos de ordem dos militantes giravam entre ataques a Moro e cânticos a favor do ex-presidente.
"Eu não tenho medo. Avisa lá pro Moro que aqui não tem arrego", gritava a multidão.
“Lula guerreiro, do povo brasileiro“, entoavam os simpatizantes, com bandeiras de PT, PSOL e PCdoB.
Os discursos falavam em resistência.
“São Bernardo do Campo é a capital da resistência democrática. Já foi dito aqui, não estamos descumprindo ordem de ninguém, até porque, se alguém rasgou a Constituição deste país foi quem condenou sem prova”, disse o pré-candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos. [nL2N1RK005]
A professora Maria do Céu Carvalho, que veio de carro do Rio de Janeiro para apoiar Lula, estava entre os simpatizantes que se emocionavam com a situação.
“Acho todo o processo um absurdo. Não tem provas... me parece que a prisão é necessária para eles para fazer um jogo político, disse ela, que voltaria ao Rio durante a noite.
"Não é contra a corrupção, é para ver o Lula humilhado, mas o Lula não é alguém que se humilha, ele se supera com as dificuldades", acrescentou a professora, com os olhos marejados.
Lula foi condenado por receber um tríplex no Guarujá (SP) como propina paga pela empreiteira OAS em troca de contratos na Petrobras (SA:PETR4).
O ex-presidente nega ser dono do tríplex, assim como quaisquer irregularidades. Lula, réu em outros seis processos, afirma ser alvo de uma perseguição política promovida por setores do Ministério Público, do Judiciário e da Polícia Federal com o objetivo de impedi-lo de ser candidato.
O petista lidera as pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de outubro, mas deve ficar impedido de entrar na disputa por causa da Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis os condenados por órgãos colegiados da Justiça.
(Reportagem adicional de Gram Slattery e Eduardo Simões, em São Bernardo do Campo, e Ricardo Brito, Maria Carolina Marcello e Leonardo Goy, em Brasília; Edição de Alexandre Caverni e Maria Pia Palermo)