Por Leonardo Goy
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), confirmou na noite desta segunda-feira que colocará em votação na quarta-feira o pedido de abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, que poderá culminar com o afastamento da mandatária pelo prazo de até 180 dias.
A decisão de Renan veio depois de um dia de grandes reviravoltas no cenário político, desencadeado pela decisão surpreendente e monocrática do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), ainda pela manhã, de anular a sessão da Câmara que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment e convocar nova votação.
A decisão de Maranhão gerou reação imediata nos mercados financeiros, levando o dólar a subir quase 5 por cento ante o real e a Bovespa a recuar 3,5 por cento. Em Brasília, os governistas comemoraram a decisão, vendo nela uma esperança de pelo menos retardar o processo de impedimento, enquanto a oposição tratou de desqualificá-la.
Maranhão solicitou ao Senado que devolvesse os autos do pedido de impeachment à Câmara e, entre os motivos citados para anular a sessão de 15, 16 e 17 de abril, atendendo a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), está o fato de os partidos terem fechado questão ou firmado orientação de votação do impeachment, que seria irregular e tornaria o processo nulo.
Coube, então, ao presidente do Senado decidir se acatava ou não o pedido do presidente da Câmara. Renan disse em plenário que rejeitava a decisão de Maranhão, que classificou de "absolutamente intempestiva".
"Aceitar essa brincadeira com a democracia seria ficar pessoalmente comprometido com o atraso do processo, e ao fim e ao cabo não cabe ao presidente do Senado Federal dizer se o processo é justo ou injusto, mas ao plenário do Senado, ao conjunto dos senadores", disse Renan durante sessão nesta tarde.
"Nenhuma decisão monocrática pode se sobrepor à decisão colegiada, tanto mais quando essa decisão foi tomada pelo mais relevante colegiado da Casa, o próprio plenário, e ainda mais pelo quórum verificado", afirmou Renan em referência à sessão da Câmara, que aprovou por 342 votos a favor e 137 contra a admissibilidade do processo.
Após o anúncio de Renan, seguiu-se um bate-boca envolvendo senadores da base governista, que criticaram a decisão do presidente da Casa.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que no início da tarde se mostrou animado com a decisão de Maranhão, disse que Renan estava errando e “manchando sua biografia”.
Lindbergh e a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) insistiram no argumento regimental segundo o qual a decisão da Câmara deveria ser anulada, porque não poderia haver encaminhamento de líderes no dia da votação.
Para o deputado Silvio Costa (PtdoB-PE), vice-líder do governo na Câmara, Renan “acaba de agredir a Constituição Federal, tomou uma decisão literalmente equivocada e uma decisão política”. “Evidentemente, vamos judicializar”, disse.
Já o presidente da comissão especial do impeachment no Senado, senador Raimundo Lira (PMDB-PB), disse que, após ter protocolado a denúncia no Senado, a Câmara perdeu qualquer ingerência sobre o processo.
"A sessão de admissibilidade da Câmara dos Deputados seguiu rigorosamente o que preconizou, determinou o Supremo Tribunal Federal. No momento em que a Câmara protocolou a denúncia no Senado Federal, a Câmara perdeu qualquer ingerência sobre o processo de impeachment", declarou o senador em declaração divulgada pela assessoria de imprensa.
SESSÃO NA QUARTA
Ao saber da decisão do presidente em exercício pela manhã, Dilma pediu cautela e afirmou que o país passa por uma "conjuntura de manhas e artimanhas".
Seguiu-se então a leitura em plenário de um resumo do parecer da comissão especial do Senado recomendando a abertura do processo de impeachment, condição para a votação em plenário.
"Vamos convocar a sessão para a quarta-feira a partir das 9h. A nossa ideia inicialmente é começar as 9h, fazer uma interrupção as 12h, retomar as 13h e irmos até as 18h. Fazermos uma interrupção e voltarmos as 19h", disse Renan, após ser lido no plenário da Casa um resumo do parecer da Comissão Especial.
"A expectativa é termos a participação de pelo menos 60 oradores. Se isso acontecer teremos 10 horas de sessão. Mas o objetivo é concluir a sessão ainda na quarta-feira."
Se o pedido de abertura do processo de impedimento for aprovado por maioria simples pelo plenário do Senado, a presidente Dilma Rousseff será afastada pelo prazo de até 180 dias, e o vice-presidente Michel Temer assume interinamente o comando do país.
A presidente Dilma é acusada de ter cometido crime de responsabilidade com base em atrasos nos repasses de pagamentos a bancos públicos, manobras chamadas de “pedaladas fiscais”, e também em decretos de suplementação de crédito sem autorização do Congresso.
Para o governo, as pedaladas não constituíram operação de crédito junto a instituições públicas, o que é vedado pela lei, e os decretos serviram apenas para remanejar recursos, sem implicar em alterações nos gastos totais.
INTERFERÊNCIA
Maranhão, que votou contra o pedido de impeachment, assumiu interinamente a presidência da Câmara, após o titular do posto, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ter tido o seu mandato suspenso pelo Supremo Tribunal Federal na semana passada.
Responsável por presidir a sessão da Câmara que autorizou a abertura de processo, Cunha rebateu os argumentos apontados por Maranhão e disse que houve "interferência indevida" do advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo.
Também nesta tarde, Cardozo afirmou que faria uma petição ao presidente do Senado, caso ele rejeitasse a decisão do presidente da Câmara de anular a votação. Durante entrevista a jornalistas, o ministro da AGU admitiu que conversou com Maranhão, mas negou que tenha feito pressão.
Após anunciado o posicionamento de Renan, Maranhão fez um pronunciamento diante de jornalistas em que argumentou que a decisão que tomou foi baseada na Constituição e no regimento da Casa para corrigir em tempo vícios que poderão ser insanáveis no futuro.
Em resposta a Renan, o deputado disse: "Não estamos e não estaremos em momento algum brincando de fazer democracia."
(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello e Lisandra Paraguassu)