(O autor é editor de Front Page do Serviço Brasileiro da Reuters. As opiniões expressas são do autor do texto.)
Por Alexandre Caverni
SÃO PAULO (Reuters) - Após quase um ano de uma crise política e econômica que num crescendo se transformou na mais grave desde a era Collor, os dados do impeachment da presidente Dilma Rousseff foram finalmente lançados à mesa. Quando eles pararem de rolar, poderemos ter um novo presidente da República ou a sobrevivência da atual titular, pelo menos, minimamente fortalecida.
Não deixa de ser revelador sobre o fundo do poço a que chegou a situação política do país o fato que levou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a aceitar um dos inúmeros pedidos de impeachment apresentados.
Após manifestações populares gigantes, queda da popularidade da presidente a mínimas recordes, inflação anual na casa dos dois dígitos, desemprego galopante e recessão profunda, o que levou a aceitação do pedido foi um ato de retaliação de Cunha contra a posição do PT de Dilma no Conselho de Ética da Câmara, que avalia um processo contra o peemedebista.
Mas isso não tem a menor importância. Finalmente o impasse entre os que desejam o afastamento da petista e aqueles que querem que ela possa governar com mais tranquilidade até o fim de seu mandato em 2018 será resolvido. Pelo menos é o que se espera.
O pior cenário à frente, mas nada impossível de ocorrer diante de tantos acontecimentos inéditos que temos visto ao longo de 2015, seria Dilma sobreviver a essa tentativa de impeachment, mas com uma margem tão estreita que daria fôlego para seus adversários continuarem o cerco ao Palácio do Planalto, impedindo uma recomposição da base governista a níveis minimamente aceitáveis para a necessária governabilidade.
Ainda é cedo para fazer apostas certeiras sobre o desenlace em torno do impeachment. Excluindo a votação para a mudança da meta fiscal deste ano, as vitórias que o governo tem obtido no Congresso vêm sendo muito apertadas, o que projeta as dificuldades que os comandantes da tropa de Dilma terão para garantir que pelo menos 171 deputados se posicionem no plenário da Câmara contra a abertura do processo de impeachment.
O ex-presidente Fernando Collor de Mello em entrevista recente disse que, uma vez aceita a denúncia pelo impeachment pelo presidente da Câmara dos Deputados, é praticamente impossível fazer a roda parar de girar e impedir o afastamento do presidente da República. Não deixa de ser uma opinião relevante, visto que ele passou por isso.
Mas o PT de Dilma não é o PRN de Collor. O partido do ex-presidente era um quase nada e ele não tinha apoio entre os movimentos sociais organizados, o que não é o caso da presidente hoje.
É bem verdade que os movimentos sociais podem não ter muitas razões para defender a petista, dado seu antagonismo à política econômica do segundo mandato e a crise econômica vigente. Mas visto que no caso de impeachment quem assume é o vice-presidente Michel Temer e considerando as propostas sociais e econômicas que foram defendidos pelo PMDB em recente encontro partidário, os movimentos sociais podem achar que ainda é melhor com Dilma do que sem ela.
Por outro lado, os milhares de manifestantes que pediram várias vezes neste ano o impeachment da presidente, e que estavam relativamente adormecidos, devem ganhar novo ânimo e podem ir para as ruas novamente, talvez até com mais força, como forma de pressionar os deputados. E todos sabem que os parlamentares são sensíveis a esse tipo de pressão, ainda que resistam muito quando ela contraria demais seus interesses.
Para aqueles que citam sempre o poder da caneta do governante, e por enquanto Dilma ainda tem a caneta e tinta nela, é bom sempre lembrar o que foi dito na época da cassação de Collor. Sim, ele podia trocar alguns ministros, oferecer alguns cargos, mas a turma que estava chegando teria todos os ministérios, todos os cargos de segundo, terceiro, qualquer escalão para serem preenchidos.
Mas é preciso lembrar uma outra grande diferença entre os processos de impeachment contra Collor e contra Dilma: a operação Lava Jato.
Exatamente como a investigação pode influenciar o jogo nas próximas semanas não é fácil de prever. A não ser que se imagine um movimento, ou sinais, da parte de um futuro governo de que a Justiça não seria tão dura com os políticos numa outra conjuntura. Neste caso dá bem para adivinhar quais as consequências da existência da Lava Jato.
Os dados foram lançados, façam suas apostas. Ainda dá tempo.
* Esta coluna foi publicada inicialmente no terminal financeiro Eikon, da Thomson Reuters.