Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - A nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para chefiar a Casa Civil pela presidente Dilma Rousseff nesta quarta-feira foi ofuscada pela divulgação de uma conversa entre ambos, em que a presidente diz a Lula que use o termo de posse no cargo "em caso de necessidade".
O diálogo levou à interpretação de que Dilma estaria entregando o documento a Lula para que ele se protegesse de uma eventual ação da operação Lava Jato, já que a chegada dele à Esplanada do Ministério o tira do alcance da primeira instância em Curitiba e lhe dá foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). O Palácio do Planalto negou essa interpretação em duas notas divulgadas nesta noite.
A divulgação do áudio tensionou ainda mais o clima político, dentro e fora do Congresso, levando milhares de pessoas às ruas em Brasília e em outras cidades para protestar contra o governo e a nomeação de Lula. Parlamentares da oposição pediram a renúncia de Dilma aos gritos no plenário da Câmara.
O nomeação de Lula para o ministério era vista como uma aposta do governo para recompor a base e evitar o impeachment da presidente.
"Lula, deixa eu te falar uma coisa, eu estou mandando... um papel para a gente ter ele e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse", afirma a presidente na conversa com o ex-presidente.
Em nota, o Planalto afirmou que Dilma encaminhou o documento a seu novo ministro pois havia a possibilidade de ele não poder comparecer na cerimônia de posse nesta quinta-feira.
Afirmou, ainda, que a conversa teve "teor republicano" e disse que medidas serão tomadas contra o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância e que tirou o sigilo dos áudios.
"Em que pese o teor republicano da conversa, (Dilma) repudia com veemência sua divulgação que afronta direitos e garantias da Presidência da República... Todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação da flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento", afirma a nota.
A divulgação da gravação pegou o Planalto de surpresa e levou Dilma a convocar uma reunião com seus ministros mais próximos e sua assessoria jurídica no Palácio da Alvorada. Nos bastidores, fontes disseram que o governo ainda avalia o estrago causado pelo episódio.
Os advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, também criticou duramente Moro e classificou a divulgação da gravação como uma "arbitrariedade muito grande" e que visou gerar uma "convulsão social".
Na decisão em que tirou o sigilo das gravações, Moro disse que a democracia exige que "os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras". O juiz também disse que os diálogos indicam a possibilidade de Lula tentar influenciar autoridades em seu favor.
RUAS E CONGRESSO
A nomeação de Lula para a Casa Civil e a divulgação da conversa entre o ex-presidente e Dilma teve reflexo tanto nas ruas, quanto no Congresso Nacional.
Milhares de manifestantes protestaram em Brasília, inclusive em frente ao Palácio do Planalto, assim como em São Paulo, na Avenida Paulista; em Curitiba, em frente ao prédio da Justiça Federal, além de em cidades como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Os ecos dos episódios políticos desta quarta também foram ouvidos no Legislativo. Mais cedo, com a iminência da nomeação de Lula na Casa Civil, oposicionistas criticavam a medida enquanto governistas a comemoravam. No final da tarde, o clima entre partidários e críticos do governo Dilma incendiou.
Após a divulgação do áudio da conversa entre Lula e Dilma, dezenas de deputados da oposição gritaram em coro "renúncia". Governistas responderam com o coro de "ole, ole, ole, olá, Lula, Lula", ao que a oposição rebateu com gritos de "Lula ladrão". Em meio ao clima tenso, a sessão teve da Casa teve de ser encerrada.
No Senado, o clima não foi diferente, com parlamentares da oposição defendendo a renúncia de Dilma, enquanto os da base aliada criticavam Moro.
“Isso é motivo de renúncia da presidente. É o mínimo, ela (Dilma) não pode mais expor o Brasil, ela não tem condições de governar o país. Ela tem que pedir a renúncia neste momento. É inadmissível que ela queira ainda manter o governo com essa condição que está instalada no país”, disse o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO).
Já para o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), Moro rasgou a Constituição.
“Há um juiz de primeira instância que rasga a Constituição, rasga a legislação que trata do sigilo telefônico. Quando há uma autoridade de foro privilegiado como é o caso da Presidência da República, automaticamente, todo o processo se transfere para o Supremo Tribunal Federal”, afirmou Pimentel no plenário do Senado.
Na esteira de todo esse ambiente, a Câmara deve reunir-se na quinta-feira para dar andamento ao processo de impeachment da presidente e eleger a comissão especial que analisará a abertura do processo.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu, Marcela Ayres e Maria Carolina Marcello, em Brasília)