Por Jason Szep e Matt Spetalnick
WASHINGTON (Reuters) - Um grupo de cerca de uma dúzia de autoridades do Departamento de Estado norte-americano tomou o incomum passo de acusar formalmente o secretário de Estado, Rex Tillerson, por violação de uma lei federal elaborada para impedir que exércitos estrangeiros alistem crianças-soldados, de acordo com um documento interno revisado pela Reuters.
Um memorando confidencial “dissidente” do Departamento de Estado não relatado anteriormente informou que Tillerson violou a Lei de Prevenção de Crianças-Soldados quando decidiu em junho excluir o Iraque, Mianmar e Afeganistão de uma lista norte-americana de infratores no uso de crianças-soldados. Isto aconteceu apesar do departamento reconhecer publicamente que crianças estavam sendo recrutadas nestes países.
Manter estes países fora da lista anual torna mais fácil o fornecimento de assistência militar dos EUA para eles. O Iraque e Afeganistão são aliados próximos na luta contra militantes islâmicos, enquanto Mianmar é um aliado emergente para contrabalançar a influência da China no sudeste asiático.
Documentos analisados pela Reuters também mostram que a decisão de Tillerson foi contrária a uma recomendação unânime dos chefes de escritórios regionais do Departamento de Estado supervisionando embaixadas no Oriente Médio e Ásia, dos enviados dos EUA ao Afeganistão e Paquistão, do escritório de direitos humanos do departamento e de advogados de dentro do departamento.
“Além de infringir a lei dos EUA, esta decisão arrisca prejudicar a credibilidade de uma ampla gama de relatórios e análises do Departamento de Estado e enfraqueceu uma das principais ferramentas diplomáticas do governo dos EUA para dissuadir forças armadas governamentais e grupos armados apoiados pelo governo de recrutarem e usarem crianças em funções de combate e apoio ao redor do mundo”, informou o memorando de 28 de julho.
A Reuters relatou em junho que Tillerson havia desconsiderado recomendações internas sobre o Iraque, Mianmar e Afeganistão. Os novos documentos revelam a extensão da oposição no Departamento de Estado, incluindo o raro uso do que é conhecido como “canal dissidente”, que permite que autoridades contestem políticas sem medo de represálias. As visões expressas pelas autoridades norte-americanas ilustram tensões contínuas entre diplomatas de carreira e o ex-chefe da Exxon Mobil Corp (NYSE:XOM), nomeado pelo presidente Donald Trump para seguir uma abordagem “América Primeiro” na diplomacia.
INTERPRETANDO A LEI
A lei de crianças-soldados aprovada em 2008 indica que o governo dos EUA deve estar convencido de que nenhuma criança abaixo dos 18 anos “seja alistada, recrutada ou de outra forma obrigada a servir como criança-soldado” para que um país seja removido da lista. O estatuto se estende especificamente para forças militares governamentais e grupos armados apoiados pelo governo, como milícias.
A lista atualmente inclui a República Democrática do Congo, Nigéria, Somália, Sudão do Sul, Mali, Sudão, Síria e Iêmen.
“O secretário revisou minuciosamente todas as informações apresentadas para ele e fez uma determinação sobre se os fatos apresentados justificavam uma listagem de acordo com a lei”, disse um porta-voz do Departamento de Estado quando perguntado sobre as acusações de autoridades de que Tillerson havia violado a lei.
Em uma resposta escrita ao memorando dissidente em 1º de setembro, o assessor de Tillerson, Brian Hook, reconheceu que os três países usam crianças-soldados. Ele disse, no entanto, que é necessário distinguir entre governos “fazendo pouco ou nenhum esforço para corrigir suas violações de crianças-soldados... e os que estão fazendo sinceros – se ainda incompletos – esforços”. Hook deixou claro que o diplomata mais sênior dos EUA usou o que ele vê como seu critério para interpretar a lei.
(Reportagem adicional de Raya Jalabi, em Erbil; Ahmed Rasheed, em Bagdá; Antoni Slodkowski e Shoon Naing, em Rangum; Hamid Shaliz, em Cabul)