BRASÍLIA (Reuters) - A presidente afastada Dilma Rousseff disse nesta sexta-feira, em entrevista a correspondentes estrangeiros, ter receio de que o governo de Michel Temer, que classifica de “ilegítimo”, recorra a métodos violentos para tentar conter manifestações.
“Não sei se não existe risco de reações violentas (a protestos). Um governo ilegítimo sempre precisa de mecanismos ilegítimos para se manter no poder”, afirmou a presidente afastada em entrevista no Palácio do Alvorada, onde continuará morando enquanto durar seu processo no Senado.
O comentário da presidente foi feito ao ressaltar que, durante todas as manifestações que ocorreram em 2013, nunca se reprimiu atos contrários ao governo. “Passamos por todas aquelas manifestações e jamais tivemos um ato repressão”, disse.
Em sua primeira entrevista desde o afastamento, na manhã da quinta-feira, Dilma não economizou críticas ao governo de Michel Temer. Disse que existem hoje no Brasil dois governos: o seu, eleito com 54 milhões de votos, e o de Temer, “interino e ilegítimo”, e questionou a qualidade e as intenções da equipe divulgada na quinta-feira pelo presidente interino.
“É um governo que reflete um lado bastante claro. Vai ser um governo liberal na economia e extremamente conservador na área cultural, social. Está mostrando isso na sua formação”, afirmou, lamentando a ausência de mulheres e negros no primeiro escalão.
“Eu lamento que depois de muito tempo não tenha mulheres e negros no ministério. Eu acho que a questão de gênero é fundamental num país em que mais de 50 por cento são mulheres e que foi talvez o mais tardio a sair da escravidão. Tem um problema de representatividade”, disse.
Temer deu posse a seu ministério na tarde de quinta-feira, poucas horas depois de ter sido notificado do afastamento da presidente. Dos 23 cargos de ministros e outros três que perderam o status de ministério, todos são homens e brancos, escolhidos para tentar ampliar o máximo possível a base do governo Temer no Congresso. A escolha foi bastante criticada.
Afastada do cargo na quinta-feira em decorrência da instalação de um processo de impeachment contra ela no Senado, Dilma deixou no final da manhã o Palácio do Planalto. Nesta sexta-feira, decidiu dar sua primeira entrevista e repetiu que, nos até seis meses que deve durar seu afastamento, irá se concentrar em fazer sua defesa onde quer que seja chamada.
“Teremos que nos defender também politicamente, porque esse é um juízo jurídico e político. Eu irei a todos os lugares que for convidada para responder sobre as razões do meu afastamento, contra as quais tenho profunda discordância”, afirmou.
Ao ser afastada, a presidente recebeu algumas prerrogativas. Além do uso do Alvorada com toda sua equipe, continuará com os serviços de segurança, carro oficial, uso de avião e uma equipe entre 15 e 20 pessoas, que já está trabalhando no Palácio.
Além de secretárias e assistentes pessoais, um assessor de imprensa e o fotógrafo da Presidência permanecem com ela. Um site e uma rede social de distribuição de fotos foram postas no ar, e as redes sociais serão alimentadas pela equipe.
Bem-humorada e com uma aparência mais descansada do que nos últimos dias, Dilma ficou cerca de 40 minutos com os jornalistas. A conversa foi seguida pelo ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, que continua a fazer a defesa da presidente afastada, tanto no processo que correrá no Senado como em futuras ações judiciais no Supremo Tribunal Federal.
Cardozo não quis dizer quando deverá recorrer à Justiça, mas lembrou que as ações negadas até agora foram de questões de forma. Ainda cabem ações sobre as razões do impeachment.
“No STF até agora só atacamos questões formais. Há questões objetivas que tem de ser atacadas. Haverá um momento que teremos de discutir a justa causa para um impeachment”, afirmou.
Por enquanto, explicou, não irá apelar para órgãos internacionais. Mas, explicou o advogado, parlamentares petistas estariam se preparando para recorrer à Corte Internacional de Direitos Humanos baseados em jurisprudência de casos passados.
“Nós vamos nos concentrar na defesa nos órgãos dentro do Brasil”, disse.
(Por Lisandra Paraguassu)