Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Uma tentativa de acordo entre o governo e empresas do setor de energia para encerrar uma longa e bilionária guerra judicial relacionada ao chamado "risco hidrológico" na operação de usinas hídricas tem encontrado dificuldades para avançar, admitiu à Reuters nesta segunda-feira o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Marcio Félix.
Uma primeira proposta do governo para um acordo que poderia solucionar a disputa exigiria uma alteração legislativa para a qual não parece existir consenso no momento, enquanto uma busca por medidas para resolver a briga jurídica sem a necessidade de mudanças na legislação também tem seus riscos, explicou Félix.
"As pessoas acham que a gente fala um negócio e o Congresso vai lá e vota o que a gente pediu. Isso não existe, tem que construir, articular, abrir mão, e esse é o ponto... É uma coisa que ainda não foi resolvida e a gente tem todo o interesse em resolver... Se a gente pudesse decidir, era simples, a gente faria, mas tem que combinar com muito russo", disse o secretário.
As empresas que operam hidrelétricas começaram a ir à Justiça ainda em 2015 para evitar custos com o risco hídrico, quando precisam comprar energia no mercado para cumprir seus contratos devido à menor produção das usinas por questões como o baixo nível dos reservatórios.
A briga gerou uma série de liminares que hoje protegem essas empresas de cerca de 6 bilhões de reais em cobranças nas liquidações financeiras mensais realizadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que promovem pagamentos e recebimentos entre as empresas do mercado de eletricidade.
Em troca do pagamento dessa conta e da retirada das ações judiciais, o governo previa garantir às elétricas a renovação dos contratos de suas usinas por um período adicional. O período extra de concessão dependeria de um cálculo sobre quanto das cobranças tem origem em fatores não associados somente à hidrologia, mas a prorrogação contratual exige mudança legislativa.
Associações que representam investidores em energia querem aprovar uma emenda que permita esse acordo por meio de um projeto de lei em tramitação na Câmara sobre a venda de distribuidoras da Eletrobras (SA:ELET3), mas o governo é contra a ideia porque avalia que a discussão extra dificultará ainda mais a aprovação da matéria, vista como urgente.
O leilão de privatização das distribuidoras está agendado para 26 de julho, e o governo tem buscado mobilizar parlamentares para apreciar o projeto antes do recesso legislativo ainda neste mês.
Félix disse que, nesse sentido, foi proposto às empresas do setor que não buscassem influenciar parlamentares a colocar emendas sobre o risco hídrico no projeto da Eletrobras, mas isso não impediu a aparição de diversas proposições nesse sentido.
"A gente não tem controle, depois querem que a gente vá mediar", provocou o secretário.
Ele não descartou que a emenda desejada passe junto com o projeto, mas ressaltou que no momento é difícil garantir sequer a aprovação da matéria, quanto mais com mudanças no texto original.
"Vamos ver amanhã se vai ter quórum, se vai votar urgência. Mas a Câmara tem poucas sessões, e uma discussão dessas, cheia de emendas, vai levar 3, 4 dias... E aí já não resolve. O momento não ajuda. Estamos num momento de 44 minutos do segundo tempo", afirmou.
"O governo não tem todo esse poder de mediação que o pessoal acha que tem, vivemos numa sociedade plural", adicionou Félix.
ACORDO INFRALEGAL
O governo e representantes de empresas do setor também passaram, em paralelo, a buscar a negociação de um eventual acordo sobre o risco hídrico que não exigisse mudanças legislativas e pudesse ser viabilizado por meio de decretos ou decisões da Aneel, por exemplo, conforme publicou a Reuters no final de junho.
Mas mesmo esse caminho tem se mostrado difícil, segundo Félix.
"A gente está analisando todas medidas infralegais... Estamos ouvindo várias associações para ver o que se pode ser feito de maneira infralegal, mas não sei se é assim que o caso vai ser resolvido", apontou.
"Você teria que fazer um pacto, mas você não tem como pactuar com todo mundo. Alguém sempre pode entrar na Justiça e a solução continuar sem ir para a frente, sem ser implantada."
O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia acrescentou que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem buscado mediar esse acordo, mas um dos pontos-chave que travam avanços é o fato de que com isso as elétricas precisarão assumir custos dos quais hoje estão livres devido às liminares vigentes.
"Eu sei que a EPE está procurando fazer um movimento... Está procurando propor uma solução negociada. Agora, tudo alguém vai ter que pagar uma conta, e ninguém quer pagar conta nenhuma. Isso não fecha. A União não tem dinheiro, as empresas não podem arcar com tudo e o consumidor também não", afirmou.
Ele acrescentou, no entanto, que a pasta de Minas e Energia seguirá em busca de uma solução para a briga judicial sobre o risco hidrológico e afirmou que "tem gente jogando a toalha antes da luta".
O governo e as empresas têm pressa nas conversas porque existe uma previsão da CCEE de que os valores envolvidos na disputa judicial podem mais que dobrar, para 13 bilhões de reais até o final do ano caso não seja negociada uma saída para o impasse.