Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a abertura de uma investigação para apurar indícios da prática de crimes omitidos por delatores da J&F em um áudio entregue pelo grupo ao Ministério Público, o que poderá levar à rescisão dos benefícios concedidos, mas destacou que as provas apresentadas por eles até o momento continuam válidas.
“Determinei hoje a abertura de investigação para apurar indícios de omissão de informações sobre a participação em crimes”, disse Janot nesta segunda-feira. “São áudios com conteúdo gravíssimo que foram obtidos pelo MPF na semana passada. A análise revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à PGR e ao STF.”
A gravação de quatro horas fazia parte dos documentos entregues pelo grupo na quinta-feira passada referente ao prazo inicial de complementação da delação da J&F, controladora da JBS (SA:JBSS3), que se encerrava naquele dia.
Segundo Janot, os áudios trazem indícios de condutas criminosas atribuídas ao ex-procurador da República Marcelo Miller --que era um auxiliar direto dele e que posteriormente foi trabalhar em um escritório de advocacia que trabalhava para a JBS. Essa movimentação de Miller foi alvo de fortes críticas do presidente Michel Temer e de aliados do chefe do Executivo.
O procurador-geral também disse que as conversas citam autoridades da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal. Ele disse que iria submeter a conversa ao ministro do STF Edson Fachin, relator do caso na Corte, a fim de avaliar qual o melhor procedimento a ser adotado.
A descoberta do áudio, segundo o chefe do Ministério Público Federal, se deu no domingo pela manhã, quando uma procuradora da Força Tarefa da Lava Jato no Supremo percebeu que a conversa não tinha ligação com a complementação dos anexos apresentados. Após ouvir a gravação, ela classificou-a de "absolutamente exótica".
"Os indícios são gravíssimos, gravíssimos, as insinuações são muito graves", afirmou.
Durante a fala e a coletiva, Janot indicou que os benefícios dos delatores do grupo poderão ser anulados. Sete executivos da JBS conseguiram o direito à imunidade penal no acordo homologado em maio. A investigação envolve três deles --Joesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis--, segundo documento que instaura a investigação.
Ele, contudo, fez questão de frisar que a revisão dos acordos não invalida as provas produzidas na colaboração até o momento.
"Não se pode ludibriar impunemente o Ministério Público e o Poder Judiciário. A provável rescisão de um acordo de colaboração premiada, se ocorrida pelo colaborador, não invalida nenhuma prova. Todas as provas continuam hígidas e válidas", destacou ele.
Janot disse que pretende chamar os colaboradores do grupo para se manifestarem ainda esta semana. Ele afirmou que eles terão direito a uma "ampla defesa" para esclarecer se tudo não passou de uma "confusão".
Em comunicado, a defesa dos executivos da J&F afirmou que houve "interpretação precipitada" da gravação entregue à procuradoria-Geral da República e que o assunto será esclarecido assim que o material for melhor examinado.
"O diálogo em questão é composto de meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático", diz trecho do comunicado da J&F.
TEMER
A menos de duas semanas de deixar o cargo, o procurador-geral destacou que o caso envolvendo o áudio em nada vai "inviabilizar" a apresentação de novas denúncias que poderão ser oferecidas por ele. "Não deixo de praticar ato de ofício até o dia 17 de setembro", salientou ele.
Janot deverá usar a colaboração de Joesley Batista, da JBS, como uma das bases para uma nova denúncia contra Temer. Ele também deverá robustecê-la com a delação de Lúcio Funaro, já encaminhada ao Supremo e pendente apenas de homologação por Fachin.
Temer, em visita à China, reagiu com "serenidade" ao anúncio de Janot, enquanto o Palácio do Planalto comemorou o que já pode ser contado como um ganho político para o governo.
"Com a serenidade de sempre, não houve uma alteração sequer", disse Temer a jornalistas, em Xiamen, onde participa de cúpula do Brics, ao ser perguntado sobre como recebeu a notícia.
"Eu não falo sobre isso", disse o presidente. "Tenho que ter a maior serenidade, como sempre tive. Respeito todas as decisões que forem tomadas pela Justiça, pela Câmara dos Deputados, pela Procuradoria-Geral da República. Eu tenho que respeitá-las mas não posso falar uma palavra sobre isso."
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)