Por Tatiana Ramil e Ricardo Brito
SÃO BERNARDO DO CAMPO/BRASÍLIA (Reuters) - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso inflamado a uma multidão neste sábado, afirmou que vai atender de "cabeça erguida" ao mandado de prisão decretado pelo juiz federal Sérgio Moro para cumprir pena no processo de tríplex do Guarujá, no litoral paulista.
"Vou atender o mandado deles, porque quero fazer a transferência de responsabilidade", afirmou, em exaltado pronunciamento de 55 minutos no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). "Quero chegar lá e dizer ao delegado, estou à sua disposição", ressaltou.
Lula destacou que vai cumprir o mandado para fazer a transferência de responsabilidade para mostrar que o "problema" do país não é ele, mas sim aqueles que não gostam do "povo", do PT, dos partidos políticos de esquerda, entre outros.
O ex-presidente afirmou que não está "escondido" e que vai lá "nas barbas deles". E ressaltou que vai cobrar quanto tempo vai ficar preso --ele teve a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão, em regime fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Durante o ato, o petista conclamou os que estavam presentes a, de agora em diante, "virar Lula" e andar pelo país e mostrar o que tem que fazer.
Lula estava desde a noite de quinta-feira no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, acompanhado por familiares, militantes do PT, integrantes do sindicato, parlamentares e simpatizantes.
O juiz Sérgio Moro havia determinado na quinta-feira prazo até as 17h de sexta-feira para Lula se apresentar na PF de Curitiba para iniciar o cumprimento da pena.
Desde então, a defesa de Lula vinha tentando reverter a medida, o que foi negado pelo Judiciário. Neste sábado, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, negou pedido para que a corte concedesse liminar para suspender a ordem de prisão. Na véspera, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia rejeitado um pedido de liminar em habeas corpus para garantir a manutenção da liberdade de Lula.
PROVAS
Mais uma vez, Lula afirmou que está sendo "processado" --na verdade ele já é condenado-- por ser dono de apartamento no Guarujá, alegando que é único ser humano a ser processado por ter um apartamento que não é dele. O ex-presidente criticou por isso a mídia, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o juiz Sérgio Moro.
"Eu não os perdoo por ter passado para a sociedade a ideia de que eu sou um ladrão. Deram a primazia dos bandidos fazer um Pixuleco, chamar a gente de petralha", protestou, para quem nenhum deles tem a coragem ou dorme com a consciência tranquila da honestidade.
O ex-presidente afirmou que não está "acima da Justiça" e destacou que, se não acreditasse nela, não teria fundado um partido político, mas sim feito uma revolução.
"Acredito numa justiça justa baseada nos autos do processo, na prova concreta do crime", disse. "O que não posso admitir um procurador que fez um power point e foi para a TV dizer que o PT é uma organização criminosa para roubar o Brasil e o Lula é o chefe", completou.
O petista atribuiu ao que considerou como "atencipação da morte" da sua mulher, Marisa Letícia, a uma "safadeza" e "sacanagem" da imprensa contra ela. O evento do sábado marcou o aniversário da esposa falecida de Lula, ela também alvo do mesmo processo de Lula no caso do tríplex.
Durante a missa em homenagem a Marisa Letícia, a multidão gritava a Lula: “Não se entrega” e “resistência”. Muitas pessoas choraram durante a cerimônia, especialmente com o discurso de Lula.
"GOLPE"
Lula fez duras críticas à suposta pressão da imprensa, chegando até mesmo a defender o controle dos meios de comunicação.
"A história vai mostrar que quem cometeu o crime foi o delegado que me investigou, o juiz que me condenou e o Ministério Público foi leviano comigo", afirmou o petista, que chegou a cobrar um "debate" com Moro e os desembargadores do TRF-4 para que eles mostrassem qual crime ele cometeu no país.
O ex-presidente disse ainda que o "golpe" não estava completo somente com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que seria necessário impedir que o petista concorresse a um novo mandato ao Palácio do Planalto em 2018.
O petista --líder nas pesquisas de intenção de voto à Presidência da República-- afirmou que, quanto mais ele for atacado, mais cresce a sua relação com o povo brasileiro. Reclamou também de autoridades do Judiciário que estariam julgando conforme à opinião pública.
"Quem quiser votar (no Judiciário) com base na opinião pública largue a toga e vá ser candidato. Escolha um partido político e vá ser candidato", provocou.
ACENOS
No início da sua fala, o ex-presidente --que durante o discurso não anunciou se manterá seu nome na corrida ao Planalto-- fez acenos a três nomes cotados para concorrerem a presidente da República: o petista e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, tido dentro do partido como sucessor de Lula a legenda; e dos pré-candidatos por partidos de esquerda, Guilherme Boulos, do PSOL, e Manuela D'Ávilla, do PCdoB.
Na manifestação mais enfática, Lula fez aceno a Boulos, quem disse ser um importante quadro político em formação. "Você tem futuro, meu irmão, é só não desistir nunca", disse. Foi na mesma linha com Manuela D'Ávila. "É um motivo de orgulho e perspectiva de mudança para enfrentar a negação da política assumindo a política", disse.