Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Em um julgamento cheio de críticas à atuação do Ministério Público, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quarta-feira para rejeitar pedido da defesa do presidente Michel Temer para barrar o envio imediato da denúncia feita contra ele para a Câmara dos Deputados.
Por 7 votos a favor e 1 contra, os ministros entenderam que não cabe ao STF fazer qualquer juízo prévio sobre a acusação feita pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça.
O julgamento foi suspenso pela presidente da corte, Cármen Lúcia, após o voto de Gilmar Mendes, o único a favor da tese da defesa de Temer. O caso será retomado na quinta-feira à tarde, com os votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Até a conclusão do julgamento, os ministros podem alterar seus votos, mas isso raramente acontece.
Os advogados do presidente querem barrar a remessa da acusação para a Câmara até que seja concluída a investigação sobre omissões na delação de executivos da J&F, que serviram em parte de base para a acusação criminal feita por Janot.
Na retomada do julgamento uma semana após ter sido suspenso, o relator do caso, Edson Fachin, votou no sentido de que, pela Constituição, não cabe ao Supremo fazer um "juízo antecipado" da denúncia antes de os deputados decidirem se autorizam a corte a julgá-la. "A Câmara dos Deputados realiza um juízo predominantemente político", disse. "O juízo político deve preceder à análise do Supremo Tribunal Federal", completou.
Fachin afirmou que já há precedentes nesse sentido do próprio Supremo e ainda mencionou manifestação da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, favorável à remessa imediata.
Dodge foi cumprimentada por todos os ministros do plenário, mas não se manifestou publicamente. Ela apresentou um memorial aos ministros, que foi lido pelo relator.
O ministro Luís Roberto Barroso, outro voto a favor da remessa imediata, destacou que não cabe pronunciamento prévio do Supremo e fez questão de citar as acusações contra o presidente no plenário da corte.
"A palavra está com a Câmara dos Deputados e não com o Supremo Tribunal Federal", destacou.
Dias Toffoli apresentou o voto a favor da remessa imediata da acusação, mas com uma divergência em parte. Afirmou que o STF poderá, sim, trazer a denúncia ao plenário antes de enviar para a Câmara se ela for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou justa causa para a acusação, conforme previsto no Código de Processo Penal.
Maior crítico da gestão de Rodrigo Janot à frente do Ministério Público Federal (MPF), o ministro Gilmar Mendes ficou vencido na votação ao concordar com os dois pedidos da defesa.
O primeiro foi de devolver a denúncia contra o presidente para a Procuradoria-Geral da República a fim de retirar acusações anteriores ao mandato presidencial. Conforme a Constituição o chefe do Executivo tem imunidade penal durante o mandato para crimes cometidos antes de sua posse. O MPF alega que Temer cometeu crimes desde 2006, antes de ser presidente, até os dias de hoje.
Mendes também se manifestou a favor de suspender a remessa da acusação para a Câmara até a conclusão das investigações da delação dos executivos da J&F, holding que controla a JBS (SA:JBSS3).
Para ele, a avaliação de eventuais falhas cometidas poderia levar à retirada dessas provas produzidas pelo empresário Joesley Batista e pelo executivo Ricardo Saud, ambos presos depois que Janot apontou que eles teriam omitido crimes em seus acordos de delação.
CRÍTICAS AO MP
Durante o julgamento, ministros fizeram duras críticas à atuação do Ministério Público Federal. As queixas maiores miraram o vazamento de informações de delações premiadas - o ministro Dias Toffoli chegou a aventar a possibilidade de se anular tais acordos sob essas circunstâncias.
A rediscussão da validade da prova de colaborações sob questionamento, como o caso da J&F, e até a revisão do poder de investigação do Ministério Público, já autorizado pelo Supremo, também foram discutidas.
Mendes afirmou que há uma série de apurações feitas por procuradores sem que haja um controle do poder Judiciário. "Isto é extremamente grave e mostra que tenhamos de revisitar também o tema (do poder) da investigação do Ministério Público", defendeu.
Ocorreram também críticas para a atuação do advogado e ex-procurador Marcello Miller, acusado de ter atuado para os executivos da J&F em delações antes de deixar a carreira no MPF, e também do procurador Ângelo Goulart, que foi preso em maio a partir da colaboração da empresa.
Mendes chegou a chamar Miller de "Maçaranduba", pela suposta, segundo o ministro, agressividade em sua atuação como procurador. Ele também afirmou que Janot é um "morto", insinuou que ele sabia, sim, da atuação do ex-procurador em conluio com delatores da J&F e reclamou de ele ter levantado suspeitas sobre o Supremo, após a divulgação de áudio da conversa entre Joesley e Saud, que acabou por levar a um pedido de rescisão da delação de ambos.
"Não há mais o que descer na escala das degradações, na ânsia de se salvar, tentou manter, jogar a onda de suspicácia sobre o Supremo Tribunal Federal", criticou Mendes, que chegou a ironizar Janot, afirmando que o ex-procurador deveria ter pedido a própria prisão.