Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - O acordo oferecido pelo governo federal para compensar perdas bilionárias das hidrelétricas do Brasil com a seca em 2015 está em risco devido ao prazo apertado até o final do ano e à própria atratividade da proposta, que é menos favorável para usinas pequenas e para quem vendeu a produção no mercado livre de eletricidade segundo técnicos ouvidos pela Reuters.
Uma adesão parcial à proposta comprometeria os planos do governo de eliminar todas as ações judiciais que emperram o mercado nos últimos meses.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estima que o apoio poderia elevar os lucros somados das elétricas em até 1,5 bilhão de reais no ano, mas o resultado depende da conclusão de todos os trâmites antes do início de 2016, incluindo a retirada de ações na Justiça com as quais as empresas evitavam novas perdas com o déficit de geração hídrica.
O excesso de liminares travou o mercado de curto prazo de eletricidade, operado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que suspendeu as duas últimas liquidações financeiras, que aconteceriam em novembro e dezembro. Na última operação, em outubro, houve inadimplência recorde de cerca de 56 por cento devido ao grande número de empresas protegidas judicialmente.
"O acordo tem que ser celebrado neste ano. Não tem a menor possibilidade de ficar para 2016... as empresas só querem o acordo por causa dos efeitos no balanço de 2015. Se isso for concluído ano que vem, não teria como reconhecer (no resultado)... a adesão seria zero", afirmou à Reuters o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Franklin Miguel.
A autorização para que a Aneel negociasse um socorro às hidrelétricas foi dada pelo governo federal na Medida Provisória 688, de agosto, aprovada pelo Congresso Nacional em novembro, mas ainda não sancionada pela presidente Dilma Rousseff.
Após a sanção, as empresas ainda esperam que a Aneel detalhe alguns pontos da proposta para poder tomar uma decisão.
O prazo oferecido inicialmente pelo regulador para que as empresas façam a opção entre aderir ou não era 4 de dezembro, com retirada das ações na Justiça até 14 de dezembro.
Procurada, a Aneel informou nesta quarta-feira que deverá haver adiamento de assinatura das adesões, estimada agora para 18 de dezembro.
"Esses prazos (iniciais) já se perderam. Teria que dar mais prazo. Muita empresa vai precisar levar ao Conselho de Administração, muitas vezes no exterior... tem que ter um tempo para fazer essa análise", disse o analista da consultoria Thymos Energia, Renato Mendes.
As dúvidas existem principalmente em relação ao apoio oferecido às usinas que vendem energia no mercado livre, uma vez que mudanças na MP 688 durante a tramitação no Congresso alteraram pontos que constavam da última proposta apresentada pela Aneel às empresas.
"O negócio está crítico, acreditamos que em 2015 a coisa ainda não se desenrole... com todos parâmetros dados, após a publicação oficial da proposta, vai demorar pelo menos duas semanas para as empresas analisarem e tomarem uma decisão. É praticamente impossível", avaliou o sócio-diretor da consultoria Esfera Energia, Braz Giusti.
O Poder Judiciário inicia um período de recesso em 20 de dezembro, apertando ainda mais o prazo para a retirada das liminares.
BRIGA JUDICIAL
Os especialistas consultados pela Reuters são unânimes em ver grande adesão ao acordo ao menos pelas hidrelétricas que negociam energia no mercado regulado, que inclusive poderiam analisar e aceitar o acordo mais rapidamente, uma vez que a proposta para esse segmento passou por poucas mudanças.
O presidente da CPFL Energia (SA:CPFE3), Wilson Ferreira Jr., por exemplo, disse que "as empresas já estão analisando isso há mais de um ano" e poderiam ser céleres na decisão.
No mercado livre, no entanto, além de ainda não haver uma proposta final sobre a mesa, usinas de menor porte podem ter mais dificuldades em aceitar a compensação.
Isso porque o apoio se dará por meio da criação de um ativo financeiro, ou seja: as empresas arcarão com as perdas de faturamento em 2015, mas poderão reconhecer nos balanços um direito, assegurado pelo regulador, de compensação futura.
"As empresas grandes não têm nenhum problema, mas os custos disso seriam um problema para empresas menores", disse o sócio da área de energia do Veirano Advogados, Tiago Figueiró.
"Elas vão ter que arcar com isso agora para ter um seguro no futuro. Se essa conta fecha para alguns, não fecha para outros. Se o acordo não cabe na estrutura financeira que o agente tem, ele vai tentar se defender de outras maneiras... tentando manter as liminares", disse Giusti, da Esfera Energia.
O advogado especializado em energia do escritório Pinheiro Neto, José Roberto Oliva Jr., acredita que deve haver uma adesão da maior parte das hidrelétricas, mas ainda assim o problema não será totalmente solucionado.
"As empresas que não aderirem vão continuar em dificuldades, ainda vamos continuar a ter uma judicialização da questão (do déficit hídrico)", disse.
Dentro desse cenário, os especialistas têm dificuldade de prever quando as liminares poderiam ser retiradas a ponto de permitir a retomada das liquidações financeiras na CCEE.
Figueiró, do Veirano, acredita que as operações devem ser retomadas mesmo sem todas empresas desistindo de sua proteção judicial, o que manteria o mercado com índices de inadimplência acima do normal.
Já Oliva, do Pinheiro Neto, lembra que muitas empresas que operam no mercado de energia estão sem receber todos os valores a que têm direito deste agosto, quando as liminares passaram a causar inadimplência recorde até paralisar a CCEE em novembro.
"(Se o mercado não for destravado) vai começar a quebrar gente. Está extremamente complicado, a coisa não está rodando... para quem tem a receber, isso impacta sobremaneira".
A liquidação de outubro envolvia 4,2 bilhões de reais, segundo a CCEE, enquanto a de novembro não teve os valores divulgados.