Por José Roberto Gomes
SÃO PAULO (Reuters) - A aprovação de um projeto de lei (PL) na Câmara sobre renegociação de dívida agrícolas não mudou a posição do setor agropecuário sobre um passivo bilionário gerado com a declaração da constitucionalidade de cobrança para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), em março, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os produtores seguem querendo a anistia dos débitos e argumentam que estavam amparados por decisões judiciais para não pagar o Funrural antes da decisão deste ano do STF. Dizem ainda que dívida é "impagável".
Uma alternativa, argumenta o setor agrícola, seria a própria suprema corte, ao modular a decisão, considerar que a dívida anterior a março não precisaria ser paga.
A Câmara aprovou na noite de quarta-feira o texto-base do PL que facilita a renegociação de dívidas de produtores com o Funrural, além de outros passivos do setor agrícola incluídos no projeto --os destaques ainda serão analisados na próxima semana.
Apresentado pela deputada Tereza Cristina (sem partido-MS), o PL substitui a MP 793, a chamada MP do Funrural, editada pelo governo em agosto e que caducou no fim de novembro.
"Entendemos que o PL é necessário. Foi o máximo que se conseguiu. Saímos de uma MP nas condições que o governo poderia fazer e, em cima dela, foram feitas emendas para se chegar a esse PL. Do ruim, o melhor", disse o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Marcos da Rosa.
Ele, contudo, salientou que o setor agrícola não tem como pagar a dívida retroativa do Funrural, estimada no mercado em cerca de 10 bilhões de reais --a discussão sobre a anistia está parada no STF.
"O que queremos é a remissão do passado. Não conseguimos pagar", afirmou ele.
Na mesma linha, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antônio Jorge Camardelli, afirmou que "a dívida permanece impagável para a maioria dos produtores rurais e das indústrias, o que empurraria uma parcela do setor para a informalidade".
"Por isso, sempre enaltecendo o trabalho parlamentar, não poderá abrir mão da busca pela revisão ou pela modulação dos efeitos do acórdão do STF", destacou Camardelli em nota publicada no site da entidade.
INDEFINIÇÕES
Em linhas gerais, o PL em trâmite no Congresso estipula que quem aderir à renegociação pagará no mínimo 2,5 por cento do valor da dívida consolidada em até duas parcelas iguais.
Já o restante do passivo poderá ser pago em até 176 prestações mensais, tendo por base parte da média mensal da receita bruta. Essas parcelas não terão incidência de multas, juros ou encargos.
Conforme o PL, a adesão à renegociação, que contempla débitos vencidos até 30 de agosto deste ano, poderá ser feita até 28 de fevereiro de 2018.
Assim como constou na MP 793, a alíquota cheia do Funrural, para recolhimentos futuros, passará de 2,3 para 1,5 por cento.
"É (um PL) bastante interessante, a variação (da cobrança) é de acordo com a produção. Não há desencaixe de caixa. É proporcional à produção, paga-se conforme a fatura", comentou a advogada Valdirene Franhani, sócia do escritório Braga & Moreno, Consultores Jurídicos e Advogados.
Conforme ela, no entanto, a indefinição sobre a cobrança retroativa de débitos prejudica a discussão no Congresso.
"Acho que o governo poderia alterar a alíquota de cobrança do Funrural, mas sobre a renegociação é necessário aguardar a modulação (no STF)", comentou.
POLÍTICA
O texto aprovado pela Câmara na quarta-feira incluiu algumas alterações, como a renegociação de dívidas da agricultura familiar com o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia, dívidas com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Embrapa (referentes ao licenciamento de sementes).
Tais mudanças foram incluídas no texto após negociação com partidos de oposição.
"Aproveitou-se o momento de fertilidade política para se resolver todas as pendências de dívida do setor, em um discurso de troca de favores", disse Valdirene.