BRASÍLIA (Reuters) - Em seu primeiro discurso depois de assumir o Ministério das Relações Exteriores, José Serra deixou claro nesta quarta-feira que a identidade ideológica das ações do Itamaraty terminou e apresentou uma forte mudança de enfoque da diplomacia brasileira.
Em nove diretrizes apresentadas durante a cerimônia de transmissão de cargo no Itamaraty, Serra deu o tom do que será o que chamou de “nova política externa brasileira”.
“A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses da sua economia a serviço do Brasil como um todo, e não mais da conveniência e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados”, afirmou.
“No exterior, nossa política externa será regida pelos interesses do Estado e da nação, e não do governo e jamais de um partido político.”
Tratado como esquerdista e com inclinações “bolivarianas” nos últimos anos, o Itamaraty rapidamente mudou de postura. Ao fazer essa declaração, o novo ministro foi fortemente aplaudido.
Fontes diplomáticas disseram à Reuters que havia um cansaço interno com a postura pouco reativa do governo de Dilma Rousseff, afastada por 180 dias após o Senado decidir dar andamento a processo de impeachment, frente aos vizinhos bolivarianos e, somada ao desprestígio do ministério nos últimos cinco anos, uma crescente má vontade com o governo petista.
A reação imediata e dura às críticas feitas por Venezuela, Nicarágua e El Salvador e outros países latino-americanos, capitaneada por Serra, agradou a grande maioria dos diplomatas.
“Todo mundo estava cansado dos ‘chavistas’, então só houve elogios”, disse uma das fontes.
Em alguns setores há alguma preocupação com os efeitos que as notas possam ter nas relações com esses países, mas um diplomata pondera que é difícil avaliar se haverá impacto no longo prazo e que esses países precisam muito mais do Brasil que o Brasil deles.
O novo chanceler ainda deixou claro que tentará levar adiante acordos comerciais à margem das negociações da Organização Mundial do Comércio e que pretende ver “corrigidos” problemas no Mercosul que atrapalham o avanço de seus membros.
Uma das maiores críticas recentes à questão do comércio exterior brasileiro é o fato de o mundo estar fazendo acordos bilaterais e o Brasil ter tido avanços muito tímidos nessa área, muito em função dos limites impostos pelo bloco regional.
“Precisamos renovar o Mercosul, para corrigir o que precisa ser corrigido e fortalecer antes de mais nada o livre comércio entre os países, que ainda deixa a desejar”, afirmou sobre o bloco.
“O Brasil não mais restringirá sua liberdade e sua iniciativa por uma adesão exclusiva e paralisadora aos esforços multilaterais da OMC”, garantiu. Apesar de reconhecer que as negociações no âmbito da organização seriam as mais capazes de reduzir distorções no comércio mundial, Serra afirmou que essas medidas não têm avançado.
“E o Brasil, agarrado a elas, não vem prosperando com a celeridade e a relevância necessária, mantendo-se à margem da multiplicação dos acordos comerciais. Todo mundo investiu nesse bilateralismo, menos nós. Podemos e vamos vencer esse atraso”, disse.
Serra ainda garantiu, e ganhou mais aplausos, que vai trabalhar para tirar o Itamaraty da penúria que enfrentou nos últimos anos.
“Nós vamos recuperar a capacidade de ação do Itamaraty, acreditem. Quero valorizar a carreira diplomática, assim como as demais carreiras do serviço exterior. Respeitar o critério do mérito. Não discriminar em favor dos amigos do rei ou de correligionários de um partido político”, afirmou.
“Quero progressivamente retirar o Itamaraty da penúria de recursos em que foi deixado pela irresponsabilidade fiscal que dominou a economia brasileira nesta década. Quero reforçar a casa, e não enfraquecê-la”, afirmou.
(Por Lisandra Paraguassu)