Por Iuri Dantas
SÃO PAULO (Reuters) - A recém-sancionada lei que permite ao Banco Central fechar acordos de leniência acabou também eliminando a restrição a empréstimos dos bancos para seus controladores, abrindo espaço para que montadoras e grandes grupos de varejo, por exemplo, obtenham liquidez via suas instituições financeiras.
A lei 13.506, sancionada na terça-feira pelo presidente Michel Temer, altera a forma como a legislação proíbe alguns empréstimos concedidos por bancos, chamados tecnicamente de "operações vedadas" no jargão jurídico.
A nova lei altera as disposições previstas no artigo 17 da Lei do Colarinho Branco. Com isso, o conceito de "partes relacionadas" deixa de ser de sociedade controlada e passa a ser de empresas que possuam dirigentes em comum.
A Lei do Colarinho Branco (Lei 7.492/86) impedia operações de crédito de bancos para "sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente". A nova legislação passa a proibir empréstimos a pessoas jurídicas "que possuírem diretor ou membro de conselho de administração em comum".
Assim, segundo advogados, representantes de instituições financeiras e fonte do governo ouvidos pela Reuters, a mudança permite, por exemplo, que montadoras e redes de varejo obtenham empréstimos de bancos integrantes do mesmo grupo econômico.
Companhias como a Volkswagen e a gigante Cargill poderiam, em tese, beneficiar-se de maior liquidez a partir dos bancos que controlam, assim como o grupo J&F e seu banco Original.
Uma das fontes, que acompanhou a negociação do texto durante a tramitação no Congresso, contou que a alteração foi defendida por representantes de bancos de montadoras e do varejo. Advogados que atuam no setor bancário também foram sondados por algumas instituições financeiras sobre a possibilidade de se aprovar a mudança na lei.
A possibilidade de empréstimos de bancos a pessoas físicas e jurídicas controladores era proibida por lei no Brasil desde 1964, tendo se tornado crime em 1986 com a chamada Lei do Colarinho Branco. A mudança feita durante a tramitação do texto no Congresso manteve o veto a operações com pessoas físicas, mas flexibilizou a restrição para empresas.
Permitir que bancos emprestassem para seus controladores era visto como uma operação de maior risco aos bancos devido à possibilidade de prejuízos, já que a tecnologia de supervisão não era tão apurada naquela época. Regras de governança, compliance e acesso do BC minimizam este risco hoje.
Segundo uma fonte que acompanhou as negociações de bancos e do governo com o Congresso durante a tramitação do texto, o setor financeiro recebeu bem a mudança, uma vez que o arcabouço legal e prudencial em vigor permite melhor relacionamento entre pessoas jurídicas, justamente sob a supervisão efetiva do BC.
As operações de empréstimos a controladores podem ser feitas a qualquer momento, e não apenas quando há acordo de leniência com o BC ou outra situação de investigação.
INTERPRETAÇÃO
Bancos e advogados ainda têm dúvidas sobre o alcance da nova permissão. Já entendem que as operações podem ser feitas aos controladores, uma vez que o texto da nova lei anulou a expressão "sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente".
Mas justamente por não ter especificado claramente se a novidade vale apenas para controladores, os especialistas questionaram o BC se empresas que participam do mesmo grupo também podem ser beneficiadas.
A Procuradoria do BC estuda o assunto para esclarecer o mercado, segundo as fontes. O BC informou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que a nova lei não revoga dispositivos, mas os substitui por outros, com redação diferente.
Originalmente, o governo enviou ao Congresso a medida provisória 784, que aumentou o valor de multas que podem ser aplicadas tanto pelo BC quanto pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O texto também permitiu pela primeira vez que investigações contra instituições financeiras, investidores e corretoras sejam encerradas por meio de acordos de leniência.
Como a MP não foi votada durante o prazo legal, o governo Temer fez um acordo político com lideranças da base aliada, que aprovou as mudanças na forma de projeto de lei.