Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - No julgamento mais importante da história da corte, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) absolveu na noite desta sexta-feira a chapa Dilma-Temer das acusações de ter cometido abuso de poder político e econômico na campanha de 2014 e deu sobrevida política ao presidente Michel Temer, alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de obstrução de Justiça, corrupção passiva e organização criminosa.
Em seu voto decisivo, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, reconheceu que "fatos graves" foram comprovados e rejeitou que alguém lhe desse lição sobre combate à corrupção. Ao mesmo tempo, no entanto, afirmou que a causa inicial da ação movida pelo PSDB foi alargada, o que contrariaria a legislação.
"Eu disse aqui para os colegas que participaram do julgamento, e isso está no voto, estou defendendo a abertura desse processo por conta dos fatos graves que estão sendo imputados e que estão sendo confirmados. Não para cassar mandato, porque eu tenho a exata noção da responsabilidade que isso envolve para o Judiciário", acrescentou.
Temer, que acompanhou o julgamento nesta sexta com auxiliares, no Palácio do Planalto, escapa de ter o mandato cassado e a ex-presidente Dilma Rousseff de perder o direito a se candidatar a cargos eletivos.
O presidente deverá ser denunciado em breve pelo procurador-geral da República ao STF e, se não contar com o apoio de ao menos 172 deputados para barrar a autorização para o Supremo apreciar a acusação, poderá ser afastado do cargo.
A decisão do TSE ocorreu após quatro dias de julgamento numa votação apertada, por quatro votos a três.
Ela começou a ser delineada na véspera quando os ministros Gilmar Mendes, Napoleão Nunes Maia Filho, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto --os dois últimos indicados por Temer-- indicaram e votaram pela rejeição de incluir as provas referentes à Odebrecht e os depoimentos dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura.
O argumento da maioria do colegiado para excluir essas informações --as mais contundentes do processo-- é que elas não constavam da ação movida pelo PSDB em dezembro de 2014 e que foram ilegalmente incluídas na ação. Ficaram vencidos os ministros Herman Benjamin, relator da ação, e os ministros Luiz Fux e Rosa Weber.
FALACIOSO
Interlocutor frequente de Temer no Judiciário, o presidente do TSE foi o primeiro a dar sinais de que votaria a favor de excluir as apurações referentes à empreiteira.
Na quarta-feira, ele disse ser "falacioso" o argumento do relator que poderia colher o depoimento de quaisquer pessoas para instruir o processo, prerrogativa que teriam os juízes eleitorais.
Com ironia, disse que, se for assim, é melhor deixar a ação do TSE aberta para incluir a delação de empresário da JBS (SA:JBSS3) e do ex-ministro Antonio Palocci --esse último estaria avaliando fazer uma delação premiada.
Principal personagem do julgamento e que teve vários embates com o presidente da corte, o relator da ação passou todas as sessões defendendo o uso dessas provas, em especial as da Odebrecht. Ele chegou a ignorar a decisão tomada na quinta-feira, em análise de preliminar, de desconsiderá-las do julgamento.
“A defesa quer excluir a Odebrecht porque as provas são oceânicas. São depoimentos, documentos, informações passadas a autoridades estrangeiras em cooperação internacional”, afirmou.
O ministro disse que Marcelo Odebrecht não herdou apenas uma empresa, mas "uma cultura de propinas e sofisticou essa cultura".
"Ele é a terceira geração de uma empresa que dominou o Brasil desde a abertura das suas portas lá atrás, ainda na Bahia, com uma pequena empresa. Ele era o administrador de um grande grupo econômico e um dos maiores esquemas de corrupção do mundo, não só do Brasil”, afirmou Herman Benjamin, chamando-o de "especialista em corrupção".
O relator usou sete fatos para justificar seu voto a favor da cassação da chapa, três dos quais ligados ao esquema de financiamento ilícito da campanha de 2014 referentes à Odebrecht e aos depoimentos dos marqueteiros.
Para ele, a chapa poderia ser cassada até mesmo pelo "conjunto da obra, quando a punição ocorreria pela soma das irregularidades cometidas.
"Eu recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão", concluiu o relator, ao final de dois dias de apresentação do voto.
AVESTRUZ
Vice-presidente do TSE, Luiz Fux --renomado processualista e que foi citado para justificar posições dos dois lados sobre o uso de informações da Odebrecht-- defendeu durante o julgamento a liberdade dos magistrados da Justiça Eleitoral na busca de provas para a realização do julgamento.
"Nós somos uma corte, avestruz é que coloca a cabeça debaixo do chão", disse. "Reabrimos a instrução para ouvir novas pessoas. Para quê? Para nada?", questionou Fux, lembrando decisão anterior do processo que permitiu a tomada de depoimento dos marqueteiros, descartado na apreciação do mérito.
Na sessão desta sexta-feira, o primeiro a abrir a divergência em relação ao relator no voto foi Napoleão Nunes Maia. O ministro disse que não se pode dar um "cheque em branco" para que o juiz faça o que "bem quiser" e argumentou que essa prática pode levar a um "punitivismo desenfreado".
Maia teceu duras críticas ao uso no processo da palavra de delatores, ironicamente chamados por ele de "paladinos da verdade", e protestou contra a publicação de reportagem que o citou, a partir do vazamento de uma delação de um funcionário da JBS, como tendo influência sobre um juiz que cuidava do caso da empresa.
Tanto Maia quanto Admar Gonzaga foram afagados publicamente pelo presidente do TSE. Sobre o primeiro, chegou a suspender temporariamente o julgamento nesta sexta e insinuou que o vazamento dessas informações tenha partido do Ministério Público.
No caso do segundo, acusou o vice-procurador-geral Eleitoral, Nicolao Dino, de não ter agido com lealdade processual ao alegar, somente nesta sexta-feira, o impedimento de Admar para julgar o processo por ele ter sido advogado da chapa Dilma-Temer em 2010.
"Não se pode coagir o tribunal e agir conforme o jogo da mídia", criticou.
(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello e Leonardo Goy, em Brasília, e de Eduardo Simões, em São Paulo)