O ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior declarou à Polícia Federal (PF) que alertou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de que não houve qualquer fraude nas eleições de 2022 e que tinha plena confiança na lisura do pleito diante dos resultados obtidos pela Comissão de Fiscalização do Ministério da Defesa. Ainda assim, Bolsonaro se recusou a reconhecer a derrota publicamente e, segundo apura a PF, supostamente orientou a elaboração de uma minuta golpista. A defesa do ex-presidente foi procurada, mas ainda não se manifestou.
O relato é corroborado indiretamente pelo ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes, segundo o qual Bolsonaro tinha ciência de que os técnicos das Forças Armadas não identificaram nenhuma fraude ou vulnerabilidade nas urnas eletrônicas. As informações constam nos termos de depoimento que tiveram o sigilo derrubado nesta sexta-feira, 15, pelo relator do inquérito, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Segundo o documento, Baptista Júnior afirmou à PF que "constantemente informou ao então presidente da República Jair Bolsonaro de que não existia qualquer fraude no sistema eletrônico de votação". O ex-chefe da Força Aérea Brasileira (FAB) relata ainda que o grupo técnico militar que integrou a Comissão de Transparência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu "várias teses de fraudes" da Presidência da República, mas que todas foram rechaçadas.
O tenente-brigadeiro do Ar teria recebido, do próprio Bolsonaro, em uma reunião no Palácio do Planalto, em novembro daquele ano, um relatório impresso apresentado pelo Partido Liberal que serviu de base para pedir na Justiça a invalidação de todos os votos gerados em urnas eletrônicas de modelos produzidos antes de 2020. O PL acabou multado em quase R$ 23 milhões no caso por litigância de má-fé.
Baptista Júnior teria dito na ocasião que o documento entregue pelo ex-presidente "estava mal redigido e com vários erros técnicos". Segundo ele, tratava-se de um "sofisma", ou seja, um argumento que tenta parecer lógico, mas resulta de um raciocínio falho e enganoso. Ainda assim, o relatório foi encaminhado internamente e analisado pelo coronel Wagner Oliveira da Silva, que confirmou que as alegações não levantavam dúvidas reais sobre a validade dos resultados.
Bolsonaro também teria convocado uma reunião no dia 1º de novembro de 2022, em que estavam presentes os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, além do advogado-geral da União (AGU), Bruno Bianco, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. Os participantes expuseram que "todos os testes não constataram qualquer irregularidade e que era preciso reconhecer o resultado das eleições, com o objetivo de acalmar o país".
Na sequência, o ex-presidente teria questionado o chefe da AGU sobre o que poderia ser feito para reverter o resultado da eleição, vencida pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva. Bianco então teria dito, segundo relato de Baptista Júnior, que as eleições "transcorreram de forma legal" e que não havia "alternativa jurídica" para contestar os resultados. A conversa se deu antes do pronunciamento à Nação em que Bolsonaro não admitiu a derrota, mas disse que seguiria a Constituição.
Atraso na divulgação do relatório
A PF procurou saber nos depoimentos com os ex-comandantes se as Forças Armadas foram instrumentalizadas de modo a atacar as urnas eletrônicas. Uma das linhas de investigação averigua se o relatório do PL e o ex-presidente Jair Bolsonaro tiveram influência na forma como os resultados foram divulgados.
O Ministério da Defesa publicou, à época, uma nota ambígua, dizendo que "embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade de existência de fraude ou inconsistência" nas eleições de 2022. Além disso, no início do ano, havia soltado uma lista de recomendações ao TSE, o que foi visto pela militância bolsonarista como uma suposta prova de que o sistema eleitoral não seria confiável.
Os depoentes foram indagados sobre a participação direta ou indireta de figuras envolvidas no relatório do PL, como o presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, o Instituto Voto Legal (IVL), instituição contratada pelo partido, o dono de uma empresa de tecnologia de Uberlândia Eder Balbino e o blogueiro argentino Fernando Cerimedo, que fez uma live repleta de desinformação sobre as urnas eletrônicas após o segundo turno, na comissão de fiscalização dos militares. Baptista Júnior disse desconhecer a relação.
A PF também apura se Bolsonaro agiu para atrasar a divulgação do relatório das Forças Armadas sobre o primeiro turno de votação, que teria sido solicitado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas só foi revelado no dia 9 de novembro daquele ano. O ex-comandante da FAB diz ter ouvido por terceiros que o ex-presidente desejava isso, mas disse à PF que não lembrava quem seria o intermediário da informação.