A promessa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de revogar todos os sigilos impostos na gestão do antecessor Jair Bolsonaro não se confirmou. A Controladoria Geral da União (CGU) decidiu manter por 100 anos o segredo sobre telegramas diplomáticos emitidos pelo Ministério das Relações Exteriores no caso da prisão do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho. O atleta e seu irmão Assis foram detidos no Paraguai em março de 2020, ambos acusados de usar passaportes falsos. Ficaram seis meses presos.
Durante o governo Jair Bolsonaro foi apresentado um pedido ao Itamaraty com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) para que fossem divulgadas as mensagens dos diplomatas brasileiros trocadas com a chancelaria em Brasília na época da prisão. O pedido foi negado na época pelo ministério sob alegação de que os documentos continham informações pessoais. Segundo a LAI, dados particulares podem ficar protegidos por um século.
Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu revogar os sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro. O governo petista cumpriu a promessa ao tornar público o processo administrativo que investigou no Exército a conduta do general Eduardo Pazuello, que participou em maio de 2021 de um ato político ao lado do presidente no Rio de Janeiro. O processo também estava sob segredo.
O Estadão apresentou um novo pedido para ter acesso também ao caso Ronaldinho no Itamaraty. O requerimento foi negado pela chancelaria sob alegação de que são informações pessoais protegidas pela lei. Um recurso foi apresentado à CGU que seguiu o entendimento da gestão Bolsonaro e manteve o sigilo de 100 anos.
A Controladoria chegou a questionar o Ministério das Relações Exteriores se havia algum impedimento para liberar os documentos. O Itamaraty confirmou, então, que possui 30 mensagens sobre a prisão de Ronaldinho. Mas alegou que todas elas são de caráter pessoal. "São informações a respeito das circunstâncias da prisão", informou a chancelaria em resposta ao pedido de explicações da CGU. O Itamaraty sustentou ainda não ter encontrado documentos sobre gestões diplomáticas governo a governo para tratar da prisão do jogador.
Como revelou o Estadão, o governo Bolsonaro atuou no caso de Ronaldinho na época. O então ministro da Justiça Sergio Moro ligou para o Paraguai pedindo explicações sobre a prisão do atletade Ronaldinho Gaúcho, que é embaixador do Turismo do governo Bolsonaro. Na época, Moro alegou que não interferiu nas investigações do País vizinho.
No mês passado, a Controladoria havia divulgado um novo entendimento sobre o acesso aos chamados telegramas diplomáticos do Itamaraty. O enunciado estabeleceu que essas mensagens são públicas.
"A proteção das negociações e das relações diplomáticas do País não pode ser utilizada como fundamento geral e abstrato para se negar acesso a pedidos de informação. Da mesma forma, a presença de informações pessoais no documento ou processo não pode ser utilizado como argumento para a negativa de acesso, uma vez que essas podem ser tratadas para que, devidamente protegidas, o restante do documento ou processo seja fornecido", diz o texto emitido pela CGU.
O novo entendimento foi citado no despacho em resposta ao pedido do Estadão. No entanto, a CGU argumentou que não seria possível liberar os documentos. "A Controladoria Geral da União, conforme já destacado neste parecer, compreende que telegramas, despachos telegráficos e as circulares telegráficas produzidos pelo Ministério das Relações Exteriores, como regra geral, são documentos de natureza pública", diz a resposta da CGU, acrescentando a ressalva: "Tendo em vista as informações prestadas pelo órgão recorrido (Itamaraty), o conteúdo dos documentos que formam o objeto da demanda em análise possuem natureza privada, cuja divulgação poderia causar prejuízos à honra e à imagem da pessoa a quem se referem".
A Controladoria sustenta ainda que Ronaldinho não é uma autoridade pública, apesar de ser pessoa notória. Como o Itamaraty alegou que não há registros sobre tratativas diplomáticas de governo a governo para a liberação do jogador, os documentos se limitariam a questões pessoais que devem ser preservadas.