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Diferente de outras tensões, Lula pisa no freio com Venezuela

Publicado 19.12.2023, 21:37
Diferente de outras tensões, Lula pisa no freio com Venezuela

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) opinou de forma eloquente sobre os principais tensões internacionais durante seu 1º ano do 3º mandato. Mas, diferente da guerra entre Rússia e Ucrânia e do conflito entre Hamas e Israel, o petista deu poucas declarações públicas e com tom cauteloso no caso da Venezuela e Guiana.

Lula se pronunciou no dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022: “Ninguém pode concordar com guerra, ataques militares de um país contra o outro. A guerra só leva a destruição, desespero e fome. O ser humano tem que criar juízo e resolver suas divergências em uma mesa de negociação, não em campos de batalha.”

No caso do ataque do Hamas a Israel, apesar de condenar os “ataques terroristas”, o petista não citou o autor dos ataques, o grupo Hamas, já no 1º dia. Isso só foi feito 4 dias depois. Depois, com a chegada dos 22 brasileiros que estavam na Faixa de Gaza e seus 10 familiares palestinos a Brasília 13 de novembro, o presidente subiu o tom das críticas a Israel.

Lula comparou a reação israelense ao Hamas a atos de terrorismo por causa das mortes de civis palestinos em 3 ocasiões. Já os atos do grupo extremista foram classificados pelo presidente como terroristas em 7 discursos.

Do início do conflito, em 7 de outubro, até 16 de novembro, o petista se pronunciou publicamente 183 vezes. Nelas, falou sobre a guerra em 38 oportunidades. Foi, em média, uma declaração por dia sobre o assunto.

Demora para falar

No caso da tensão entre Venezuela e Guiana, o cenário é diferente. Lula demorou 23 dias para se pronunciar sobre o caso depois que Nicolás Maduro anunciou referendo para a criação do Estado de Essequibo, hoje parte da Guiana, em 10 de novembro.

Só em 3 de dezembro, quando já havia movimentação das Forças Armadas brasileiras para fortalecer a fronteira com os 2 países, o presidente falou publicamente sobre o tema. Ele disse esperar “bom senso” de Venezuela e Guiana para resolver a tensão.

Se tem uma coisa que a América do Sul não está precisando agora é de confusão”, declarou Lula a jornalistas em Dubai (Emirados Árabes Unidos), onde participou da COP28, a Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas). “Não se pode ficar pensando em briga. Espero que o bom senso prevaleça, do lado da Venezuela e do lado da Guiana”, acrescentou.

No mesmo dia, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse que os eleitores venezuelanos votaram a favor das medidas que podem levar à anexação de 74% do território da Guiana. Segundo a autoridade eleitoral do país, mais de 95% das pessoas aprovaram as 5 perguntas do referendo para a criação do Estado de Essequibo.

Lula só voltou a falar publicamente do tema em 7 de dezembro, na abertura da 63ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada no Museu do Amanhã, no Rio.

Ele disse não querer uma guerra na América do Sul diante da escalada da tensão entre a Venezuela e a Guiana, que fazem fronteira com a região Norte do Brasil.

Lula fez a declaração sem condenar a atitude beligerante do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que já havia afirmado que 74% do território da Guiana seria anexado ao seu país. O líder venezuelano chegou a apresentar um novo mapa com a área que hoje é do país vizinho.

O presidente afirmou que o Brasil acompanha as iniciativas da Venezuela com “crescente preocupação” e que o Mercosul não pode ficar “alheio a essa situação”.

Silêncio incomoda

Apesar da atuação nos bastidores da diplomacia brasileira, que mediou conversas entre os 2 países para evitar um conflito armado na região, a ausência de uma posição pública sobre Maduro anexar parte da Guiana incomodou as Forças Armadas.

Os militares comparam com a verborragia do presidente sobre as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Dizem que o conflito local é o único que pode impor riscos ao Brasil.

Lula afirmou que pretende visitar a Guiana em 2024. Participará da cúpula do Caricom (Mercado Comum e Comunidade do Caribe), que deve ser realizada em fevereiro. “Eu quero participar porque são coisas que tenho interesse de falar sobre democracia, financiamento”, disse.

O petista e o venezuelano são aliados. Em maio, Lula chegou a dizer que muitas das críticas ao regime considerado uma ditadura na Venezuela são “narrativas“. A fala foi feita em visita de Maduro ao Brasil, quando este recebeu honras de chefe de Estado.

O CONFLITO

A disputa entre os países, que dura mais de 1 século, está relacionada à região de Essequibo ou Guiana Essequiba. Depois do resultado, o governo venezuelano deve decidir as estratégias para a anexação do território.

Essequibo tem 160 mil km² e é administrado pela Guiana. A área representa 74% do território do país vizinho, é rica em petróleo e minerais, e tem saída para o Oceano Atlântico.

HISTÓRIA

Os primeiros colonizadores da região foram os espanhóis, que chegaram em 1499 à região. No século 16, a Guiana passou a ser controlada pelos holandeses. Segundo o Portal Contemporâneo da América Latina e Caribe da USP (Universidade de São Paulo), os holandeses acreditavam que na região poderia estar El Dorado –lenda que dizia existir uma cidade em que havia ouro em abundância.

Em 1616, foi construído o 1º forte holandês em Essequibo. O lugar também serviria como entreposto comercial, administrado pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. A então colônia holandesa passou a ter como base econômica a exportação de açúcar e tabaco.

Com a implementação de um amplo sistema de irrigação no século 18, a Guiana expandiu o número de terrenos agrícolas, o que atraiu colonos ingleses de ilhas caribenhas.

A população de origem britânica superou em tamanho a holandesa na região no final do século 18. Com a Revolução Francesa e a expansão da França na Europa, os holandeses decidiram passar parte de suas colônias para a administração inglesa para se proteger de uma possível intervenção francesa.

Em 1814, as colônias Essequiba, Demerara e Berbice foram transferidas de forma oficial para a Inglaterra por meio do tratado Anglo-Holandês. O território passou a se chamar Guiana Inglesa em 1931. O país declarou sua independência em 1966, mas continuou integrando a Comunidade Britânica –grupo de ex-colônias britânicas.

MADURO

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 60 anos, comanda um regime autocrático e sem garantias de liberdades fundamentais. Mantém, por exemplo, pessoas presas pelo que considera “crimes políticos”.

Há também restrições descritas em relatórios da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a “nomeação ilegítima” do Conselho Nacional Eleitoral por uma Assembleia Nacional ilegítima, e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (de outubro de 2022, de novembro de 2022 e de março de 2023).

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