Durante sessão sobre recursos contra decisão que sepultou provas da Lava Jato ligando empreiteira à corrupção, decano do STF afirmou nesta terça, 27, na Segunda Turma, que força-tarefa do MPF 'forçou' acordos com empresas investigadas por corrupção e questionou atribuição da Procuradoria para fechar leniências
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), adiantou nesta terça-feira, 27, que está inteiramente de acordo com a decisão do colega Dias Toffoli que anulou provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor). O decano do STF também sinalizou que vê irregularidades na negociação dos acordos com a força-tarefa da Operação Lava Jato, como alegam as empresas envolvidas.
"Segundo a estratégia da força-tarefa, o combate à corrupção exigia o emprego de métodos clandestinos e o desapego às amarras legais", disparou o ministro na sessão da Segunda Turma.
"A fórmula já é conhecida. A força-tarefa pedia a prisão cautelar dos empresários para forçá-los a assinar acordo. A negociação, a moeda de troca, era a liberdade da pessoa e a subsistência da empresa. E a estratégia deu certo."
Empresas como J&F e Odebrecht, que confessaram corrupção e se comprometeram a pagar multas milionárias para encerrar processos e investigações, alegam agora que foram coagidas a assinar os acordos para garantir sua sobrevivência financeira e institucional.
Crítico declarado dos métodos da força-tarefa, Gilmar Mendes lidera a ala anti-lavajatista do STF, que impôs derrotas amargas aos protagonistas da falecida operação. Entre elas, a que reconheceu a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Gilmar Mendes mencionou nesta terça, por exemplo, a cooperação internacional firmada entre os procuradores da Lava Jato e autoridades da Suíça. Mensagens trocadas entre os membros da força-tarefa, obtidas na Operação Spoofing, que prendeu os hackers da Lava Jato, citam que cópias digitais dos sistemas da Odebrecht (Drousys e MyWebDay) foram enviadas da Europa e transportadas em sacolas plásticas.
"A clandestinidade estava no DNA da Lava Jato. Métodos obscuros foram utilizados para obter, na Suíça, cópias dos sistemas eletrônicos da Odebrecht", criticou o decano.
Esse foi um dos argumentos usados por Toffoli para fundamentar a anulação do acordo. Na ocasião, o ministro afirmou que a "cadeia de custódia e a higidez técnica" das provas foi comprometida.
Em entrevista ao Estadão, em setembro do ano passado, o ex-procurador Stefan Lenz, responsável pelas investigações da Lava Jato na Suíça, negou ter compartilhado documentos ilegalmente. O Ministério da Justiça também confirmou que houve pedido formal de cooperação jurídica internacional com a Suíça. Governo, STF e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigam agora se houve adulteração do conteúdo dos sistemas de Odebrecht para direcionar delações.
Gilmar Mendes também defendeu que não há previsão legal para o Ministério Público Federal (MPF) fechar acordos de leniência. Para o decano, essa não é uma atribuição da instituição. "Fruto de uma interpretação da lei anticorrupção e da lei de improbidade administrativa, a iniciativa fez parte de estratégia desenhada para diversificar o arsenal da instituição na cruzada do combate à corrupção."
Gilmar Mendes e Dias Toffoli ainda cobraram nesta terça, na sessão da Segunda Turma, uma investigação interna da Corregedoria da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sobre os métodos da Lava Jato.
O debate foi travado no julgamento de recursos contra a decisão de Toffoli que anulou as provas do acordo de Odebrecht. Os ministros da Segunda Turma do STF decidiram adiar a votação para aguardar o resultado das negociações para a repactuação das leniências, autorizada pelo ministro André Mendonça após audiência de conciliação realizada ontem.