Por Camila Moreira
SÃO PAULO (Reuters) - O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva herdará uma desaceleração contratada da economia quando assumir o seu terceiro mandato em 2023, com a atividade doméstica sentindo o maior impacto da política monetária restritiva e tendo como pano de fundo um cenário global adverso.
Depois da esperada perda de ritmo da atividade no terceiro trimestre, salientada pela fraqueza da indústria e sinais de que o varejo ainda encontra dificuldades para deslanchar, dados antecedentes para outubro já apontam uma puxada de freio mais evidente, com indicadores de confiança, das condições de negócios na indústria (PMI) e das perspectivas para o mercado de trabalho mostrando queda.
A economia brasileira ainda deve crescer 2,76% este ano, de acordo com a pesquisa Focus com analistas de mercado mais recente, mas a expectativa é de que o primeiro ano do governo Lula termine com uma expansão de apenas 0,70%.
Para economistas, a moderação da atividade reflete principalmente um processo de esgotamento da recuperação da pandemia somado aos efeitos defasados do aperto da política monetária, em que o Banco Central tirou a Selic do menor patamar da história de 2% e a levou aos atuais 13,75% ao longo de cerca de um ano e meio.
Os juros que recaem sobre empresas e pessoas físicas são bem mais elevados, contribuindo para limitar o consumo em um momento em que o nível de endividamento das famílias tem batido recordes.
"Dados os tradicionais efeitos defasados da política monetária, (Lula) vai receber uma desaceleração contratada. A atividade vai desacelerar em função disso", afirmou Flávio Serrano, chefe de análise macroeconômica da Greenbay.
O economista prevê que a atividade já deve ficar de lado no quarto trimestre deste ano, passando a registrar taxas negativas no primeiro e segundo trimestres de 2023. Ele calcula crescimento de 2,8% da economia em 2022 e de 0,6% em 2023.
O setor de serviços tende a ser o mais afetado nesse cenário. Principal motor da atividade este ano, ainda em ritmo de recuperação dos impactos da pandemia e com ajuda de medidas fiscais adotada pelo governo, o setor deve ver uma desaceleração do crescimento de 8% este ano para 3% em 2023, nas contas de Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
"Temos uma combinação de esgotamento do processo de recuperação de serviços e taxa de juros elevada, e isso tende a desacelerar bem o setor de serviços ano que vem", afirmou ele, calculando que os efeitos do aumento de juros serão sentidos com mais intensidade nos próximos trimestres, com uma expansão do PIB de 2,5% este ano e 0,5% no próximo.
A maior preocupação, no entanto, recai sobre a indústria, que ainda não se recuperou dos abalos provocados pela pandemia e registrou um segundo semestre marcado por dificuldades em meio a condições de crédito mais apertadas e quebras nas cadeias globais de produção.
A indústria fechou o terceiro trimestre com taxa negativa de 0,3% na comparação com os três meses de abril a junho, e ainda está 2,4% abaixo do patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020, de acordo com dados do IBGE.
"É o setor que mais preocupa, e isso para o conjunto da economia é muito ruim, porque é um setor que emprega bem e paga salários relativamente superiores, fora os encadeamentos que tem com toda a economia", completou Pizzani.
Diante do cenário, os níveis baixos de desemprego vistos atualmente têm os dias contados, avalia Serrano. O Brasil encerrou o terceiro trimestre com a menor taxa de desemprego em mais de sete anos, de 8,7%
"Olhando para a frente, a demanda doméstica vai desacelerar. O mercado de trabalho demora um pouco, mas vai desacelerar também, talvez no segundo trimestre do ano que vem", avaliou Serrano.
O Indicador Antecedente de Emprego do Brasil, apurado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), já dá sinais dos problemas à frente para o mercado de trabalho. Ele foi em outubro ao menor nível em seis meses, indicando que a desaceleração da economia já estaria influenciando as expectativas.
ADVERSIDADE MUNDIAL
Lula terá que encarar ainda um cenário mundial bastante adverso. Com os principais bancos centrais do mundo elevando os juros diante de uma inflação recorde que ganhou força com a pandemia e depois com a guerra na Ucrânia, uma recessão global já é a grande preocupação, com a China ocupando também o foco.
O Federal Reserve elevou os juros em 0,75 ponto percentual na semana passada pela quarta reunião consecutiva e o chair, Jerome Powell, indicou que os aumentos dos juros, embora possivelmente menores, persistirão.
Enquanto isso, o Banco Central Europeu também vem elevando os juros em ritmo recorde e autoridades dizem que continuarão a aumentar os custos dos empréstimos mesmo com a economia da zona do euro sendo afetada.
Uma desaceleração global implica um comércio externo mais fraco para o Brasil, em um cenário agravado ainda pelas dificuldades da China, principal parceiro comercial do Brasil, devido a suas políticas de Covid zero e enfraquecimento do setor imobiliário.
"No que diz respeito ao cenário global, os desafios são bem significativos. Não dá para descartar uma recessão lá fora. Se não for global, pelo menos em algumas regiões importantes", alertou Rodolfo Margato, economista da XP (BVMF:XPBR31).
ASSERTIVIDADE
Lula ainda não definiu sua equipe econômica, e a ausência do nome que irá assumir o Ministério da Fazenda deixa investidores em modo de cautela. Mas embora não tenha definido as diretrizes econômicas, já indicou que 2023 será um ano de gastos elevados.
A equipe de transição de governo ainda estuda como equacionar o pagamento de 600 reais do Auxílio Brasil no próximo ano --se por medida provisória ou Proposta de Emenda à Constituição (PEC)--, e nessa conta entram tanto variáveis jurídicas como políticas.
O principal desafio para o novo governo no curto prazo, na avaliação de Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, é ter controle da inflação --cuja previsão é de estouro da meta este ano-- porque com isso é possível reduzir a taxa de juros e voltar a crescer de forma sustentável.
"Mas para conseguir controlar a inflação, precisa da ajuda da política fiscal. Se (o novo governo) conseguir dar a sinalização de que a dívida vai ficar mais controlada para frente, o primeiro efeito será na moeda. E se o dólar cair ajuda a trazer inflação para baixo de maneira mais rápida", disse ele.
Para Pizzani, da CM Capital, o novo governo precisará ser bastante assertivo, sinalizando que o plano fiscal que envolve aumento de gastos não será desordenado, e que haja algum respeito fiscal no médio e longo prazos.
"O que conseguimos observar até aqui, ainda que tenhamos mais dúvidas do que respostas, é que ano que vem teremos uma política fiscal mais expansionista, mais gastos, e é muito importante governo ser assertivo na comunicação. Isso envolve mensurar os níveis de gastos que vai fazer", disse.