A mancha de poluição do rio Tietê continua crescendo, de acordo com o relatório de 2023 do programa de monitoramento Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica. Além disso, a água de qualidade imprópria para usos múltiplos se estende atualmente por 160 km. O documento foi divulgado durante a cerimônia que celebrou os 30 anos de existência do programa de monitoramento na 3ª feira (19.set.2023).
Segundo a fundação, a mancha aumentou 31% em relação a 2022, quando atingiu 122 km. Na comparação com 2021, quando representava 85 km, praticamente dobrou, o que criou um alerta na SOS Mata Atlântica.
“[O resultado] é um alerta porque a gente manteve uma qualidade que está regular. Em alguns pontos, melhorou um pouco, mas em outros pontos piorou um pouco, o que deu uma certa estabilidade. A gente precisa ter trabalhos específicos muito fortes para melhoria [da qualidade da água do Tietê]”, disse o coordenador do Observando os Rios da SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi, em entrevista à Agência Brasil.
Para Gustavo, “não é só o saneamento básico” que vai resolver este problema. “O saneamento básico é uma peça importante, mas tem outras ações que envolvem municípios, empresas, agricultores, comerciantes e cidadãos para que, juntos, possamos ter, de fato, uma melhoria no rio”, afirmou.
Também declarou que o aumento das manchas foi “a grande surpresa” do relatório. “A gente esperava que houvesse uma redução significativa da mancha e isso não aconteceu; houve aumento”.
Dos 160 km com água imprópria devido à poluição, 33 indicaram uma qualidade péssima. O restante, indicou qualidade ruim. A mancha de poluição foi observada do vão da nascente até a cidade de Barra Bonita, na hidrovia Tietê-Paraná.
Segundo Andrea Ferreira, responsável pelo Projeto Tietê, da Sabesp (BVMF:SBSP3) (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o aumento da mancha pode ser explicado por diversos fatores, como o regime de chuvas, a poluição difusa e o aumento das ocupações irregulares. Para Andrea, a despoluição do Tietê é um “desafio enorme” e os resultados divulgados pela SOS Mata Atlântica demonstram que é preciso “ampliar o tratamento de esgoto”.
Assim como Gustavo, Andrea disse que só uma ação conjunta vai conseguir resolver o problema do rio. “A despoluição do Rio Tietê, ou de qualquer rio, não depende de um só, depende de todos”, declarou.
Maior rio paulista, com 1.100 km da nascente à foz, o Tietê corta o Estado de leste a oeste, atravessando áreas urbanas e municípios de importante produção agropecuária. É dividido em 6 unidades de gerenciamento de recursos hídricos, também chamadas de bacias hidrográficas.
O trabalho desenvolvido pelo Observando os Rios envolve 41 grupos de voluntários em 28 municípios, incluindo 18 pontos na capital paulista. A avaliação abrange 16 indicadores, seguindo o Índice de Qualidade da Água.
O monitoramento foi realizado ao longo de 576 km, em 59 pontos de coleta distribuídos por 34 rios das bacias hidrográficas do Alto Tietê, Sorocaba/Médio Tietê e Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que abrangem 102 municípios das regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Sorocaba. Isso representa 50% da bacia de drenagem do rio Tietê.
ÁGUA DE BOA QUALIDADE AUMENTA
O relatório do Observando os Rios mostrou também que, embora a mancha de poluição tenha crescido, a proporção de água de boa qualidade voltou a subir, passando de 60 km em 2022 para 119 km na atual medição, quase se igualando ao que foi registrado em 2021 (124 km). Porém, de acordo com a organização, a maior parte do trecho monitorado mantém-se em condição regular (293 km), sinalizando uma situação geral estável. Outro dado demonstrado pelo relatório neste ano é que não foi observada água de qualidade ótima.Segundo o relatório, a água é de boa qualidade em 61 km que vão da nascente do rio até a cidade de Mogi das Cruzes e em 58 km que ficam perto do Reservatório de Barra Bonita. Já os 293 km de água regular estão divididos em 4 trechos nas bacias do Alto e Médio Tietê.
“A gente teve pontos em que melhorou a qualidade da água. Isso mostra que, por um lado, os trabalhos de saneamento estão acontecendo e precisam acontecer – e com mais rapidez. Por outro lado, [as manchas de poluição] mostram que tem um ponto de atenção de outras coisas para as quais precisamos atentar, como a questão climática, a questão da poluição difusa e a questão social, já que não dá para falar de saneamento se não relacionarmos isso ao problema de moradia. Uma coisa está relacionada à outra: como cobrar saneamento de pessoas que não têm nem onde morar? Então passa também pela justiça social a questão do saneamento”, ressaltou Gustavo.
Para a diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, a luta da instituição pela despoluição do Rio Tietê “não é um sonho que surgiu por causa de um jacaré teimoso”, mas uma luta pelo reconhecimento do direito à água limpa.
Em agosto de 1990 um jacaré-de-papo-amarelo foi avistado tomando sol às margens do poluído Rio Tietê, próximo da Vila Maria, na zona norte paulistana. Sua insistência em viver no local, apesar da baixa taxa de oxigênio, lhe rendeu o nome de Teimoso. Teimoso não só provocou um imenso congestionamento na cidade por causa da curiosidade dos motoristas, como também mobilizou a população em uma campanha pela despoluição do rio Tietê.
“Nós somos também muito teimosos porque fizemos desse desejo uma causa. Uma causa que ecoa no Brasil”, disse Malu, durante o evento que celebrou os 30 anos do programa Observando os Rios.
“Queremos que a água seja reconhecida no Brasil como um direito humano. O acesso à água limpa para todos como um dos direitos fundamentais dos brasileiros precisa ser aprovado no Congresso Nacional. Uma proposta de emenda à Constituição (PE) foi aprovada no Senado, por unanimidade, no ano de 2009, e até hoje essa PEC está parada na Câmara dos Deputados.”, declarou a a diretora de Políticas Públicas da fundação.
Malu enfatizou que a população brasileira precisa se lembrar que em 2024 haverá eleições municipais e que os futuros prefeitos precisam ser cobrados sobre este tema. “Ano que vem temos eleições municipais, e precisamos colocar a agenda da água e a agenda da floresta no ranking de prioridades da nossa sociedade porque, quando abrirmos a torneira e não tivermos água, não adiantará reclamar. Precisamos agir agora.”
IMPORTÂNCIA DA DESPOLUIÇÃO
Para a SOS Mata Atlântica, o índice de água boa no Rio Tietê é fundamental para promover a segurança hídrica e usos múltiplos da água no Estado de São Paulo, tais como abastecimento público, irrigação, produção de alimentos, pesca, atividades de lazer, turismo, navegação e geração de energia, além da manutenção dos ecossistemas e resgate da cultura nos municípios ribeirinhos.“A Organização Mundial da Saúde diz que, para cada dólar que se investe em saneamento básico, economizam-se até US$ 4 em saúde pública. Então, trabalhar com saneamento é investir em saúde pública”, afirmou Gustavo.
Malu Ribeiro ressaltou ainda que a despoluição do Rio Tietê é um projeto da sociedade para o Brasil. “Se a gente conseguir mostrar que é possível recuperar um grande rio como este, o rio da nossa história e do nosso desenvolvimento, a gente consegue levar para outros estados essa inclusão da sociedade no direito de ter a convivência com o rio limpo”.
Com informações da Agência Brasil.