Investing.com - Luiz Henrique Mandetta não é mais ministro da Saúde. O agora ex-ministro foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (16), após reunião entre os dois no Palácio do Planalto. Mandetta confirmou a demissão no Twitter.
O Ibovespa diminuiu as perdas logo após o anúncio da demissão, saindo de uma queda de 1,6% para 1%. A alta do dólar também ficou menor, com a moeda americana sendo cotada a R$ 5,2572.
O estopim foi a entrevista que o Mandetta concedeu ao programa Fantástico, da Rede Globo, no último domingo, intensificando a relação desgastada entre ambos. O pano de fundo para a saída foi o tom de confronto adotado na entrevista na emissora em que o presidente vê como desafeta. Além disso, a entrevista tampouco agradou os militares que haviam segurado o ex-ministro no cargo na semana passada.
Durante a entrevista, Mandetta voltou a apresentar divergências com o presidente em relação às medidas a serem adotadas para combater o avanço da pandemia de coronavírus no Brasil. Pesa também para a decisão da demissão o protagonismo assumido pelo ex-ministro durante a crise sanitária enquanto ocupava o cargo, conquistando uma popularidade maior do que a do presidente.
Substituto
O substituto é o médico oncologista Nelson Teich, que se reuniu hoje com Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Ele foi consultor da área da saúde na campanha presidencial de Bolsonaro nas eleições de 2018. É fundador do Instituto COI, que realiza pesquisas sobre câncer. Teich tem apoio da classe médica, além de manter boa relação com empresários do setor de saúde.
O médico oncologista defende, assim como Mandetta, medidas de isolamento horizontal para combater a disseminação do coronavírus. Bolsonaro é favorável ao isolamento vertical, no qual somente idosos e grupos de riscos ficariam em quarentena, e a divergência quanto às medidas de confinamento foi um dos fatores que levaram a se desentender e demitir Mandetta.
"Além do impacto no cuidado dos pacientes, o isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país", diz Teich em um artigo publicado no LinkedIn em 3 de abril. Além disso, Teich critica o antagonismo entre saúde e economia nos debates sobre o combate ao Covid-19.
Perda do apoio dos militares
A entrevista que o ex-ministro concedeu ao Fantástico, da Rede Globo, no último domingo (12) reiniciou o processo de fritura, pois Mandetta teria perdido apoio dos ministros militares que garantiram sua permanência do cargo na semana passada, após Bolsonaro ter decidido pela saída do então ministro.
A demissão não ocorreu semana passada após o presidente ter sido convencido a voltar atrás da decisão pela ala militar do governo, especialmente pelos ministros Braga Netto, da Casa Civil, e general Ramos, da Secretaria de Governo.
Na visão dos militares, o ministro teria desafiado o presidente em público, o que seria uma quebra de hierarquia, um valor inquestionável no meio militar. Além disso, Mandetta teria descumprido o acordo com generais de que seria possível achar denominadores comuns entre as suas posições e as de Bolsonaro.
Sinais de demissão
O governo federal criou na manhã de terça-feira um grupo de trabalho interministerial que será encarregado de coordenar ações estruturantes e estratégicas para a recuperação e o crescimento econômico do país em resposta aos impactos relacionados à pandemia de coronavírus, mas havia deixado o Ministério da Saúde de fora, de acordo com resolução publicada no Diário Oficial da União.
No início da tarde, o governo informou que a pasta então chefiada por Mandetta seria inclusa no colegiado, sem ter mencionado a formalização de participação da pasta da Saúde no grupo. "O ministério da Saúde e outros órgãos que o comitê [de crise que monitora o combate à doença no Brasil] julgar pertinente serão incluídos", disse a assessoria da Casa Civil, que coordena o grupo.
Além disso, começou a sair relatos na imprensa na quarta-feira de que Mandetta tinha sido avisado por Bolsonaro de que seria demitido, que seria oficializada nos dias seguintes, ou até o presidente achar o substituto. Neste dia, houve o pedido de demissão de Wanderson Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde, não acatada por Mandetta, que afirmou em entrevista coletiva que seus auxiliares sairiam somente caso deixasse o cargo.
Entrevista ao Fantástico
Durante a entrevista ao programa da Rede Globo, Mandetta pediu uma fala única do governo federal no combate ao coronavírus e apontou que a população fica sem saber se segue as orientações do ministério sob seu comando, a favor do isolamento social para conter a disseminação do vírus, ou do presidente Jair Bolsonaro, que minimiza a pandemia e defende o fim do distanciamento.
Além disso, Mandetta chamou de equivocadas as formações de aglomerações sem, no entanto, citar nominalmente Bolsonaro, que voltou a gerar acúmulos de pessoas em novos passeios que fez por Brasília e cidades do entorno no feriado prolongado da Páscoa.
O ministro previu ainda dias duros com a pandemia de Covid-19 nos meses de maio e junho. O comportamento da sociedade é que vai ditar como será a pandemia nos próximos meses no Brasil, disse o então ministro ao programa da Rede Globo.
Declarações de Bolsonaro sobre Covid-19 em live com religiosos
No último domingo, durante videoconferência com religiosos, Bolsonaro disse que o coronavírus dá sinais de que começa a ir embora, apesar de os dados indicarem o oposto. Ressaltou também que o desemprego está chegando e batendo forte, reforçando preocupação com os impactos econômicos das medidas de isolamento impostas para tentar desacelerar os casos de Covid-19.
"É o que tenho dito desde o começo, desde há 40 dias. Temos dois problemas pela frente, lá atrás eu dizia: o vírus e o desemprego", afirmou ele, em videoconferência com religiosos por ocasião da Páscoa, transmitida pela TV.
"Quarenta dias depois, parece que está começando a ir embora a questão do vírus, mas está chegando e batendo forte o desemprego. Devemos lutar contra essas duas coisas", completou.
Em sua fala, Bolsonaro afirmou que há "grande perigo pela frente", e que o destino do país não pode "ser colocado sob dúvida de que a liberdade será mantida a qualquer preço".
O presidente tem se oposto a medidas de isolamento mais rígidas adotadas por governadores e prefeitos como forma de evitar a disseminação descontrolada do coronavírus, argumentando que elas causarão danos maiores à economia, com fechamento de postos de trabalho e ameaça de desabastecimento.
Na véspera, o advogado-geral da União (AGU), André Mendonça, publicou nota afirmando que o órgão aguarda informações do Ministério da Saúde e da Anvisa para medidas judiciais cabíveis com o objetivo de impedir "medidas restritivas de direitos fundamentais do cidadão" por parte de governos locais e estaduais.
O posicionamento foi divulgado após o governador de São Paulo e adversário político de Bolsonaro, João Doria (PSDB), ter dito que pessoas poderiam vir a ser presas pela Polícia Militar caso contrariassem as regras estabelecidas no Estado para o isolamento.
Desgaste de Mandetta
Há algumas semanas, desde que o combate à pandemia do coronavírus no Brasil se intensificou, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta têm adotado posturas diferentes em seus discursos.
Bolsonaro não concorda com o ministro, que tem tentado seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde de aplicar medidas de isolamento social. Segundo o presidente, o impacto econômico das medidas seria maior do que seu benefício. Bolsonaro, então, defende o “isolamento vertical”, que envolveria apenas pessoas pertencentes a grupos de risco.
Outro ponto de divergência é a cloroquina, medicamento para malária, cujo potencial contra o coronavírus o presidente segue promovendo. O ministro diversas vezes pediu cautela em relação ao medicamento, visto que não há estudos suficientes para comprovar sua eficácia contra a Covid-19.
Datafolha mostra ministro com popularidade
Em pesquisa realizada pelo Datafolha, Mandetta tem mais que o dobro de aprovação na população na comparação com presidente Jair Bolsonaro. Mandetta tem aprovação de 76% dos entrevistados, enquanto Bolsonaro é bem avaliado por 33% dos entrevistados, segundo levantamento publicado na sexta-feira (3). A pesquisa Datafolha ouviu 1.511 pessoas por telefone entre 1 e 3 de abril.
A aprovação do ministro também é alta entre os eleitores do presidente. Dos que votaram no presidente, 82% apoiam a atuação de Mandetta, contra 64% em março, de acordo com Datafolha.
Osmar Terra defende isolamento vertical
O deputado era o favorito a assumir a vaga de Mandetta, devido a sua convergência de ideias de combate ao Covid-19 no país com Bolsonaro. Terra defendeu diversas vezes que o isolamento horizontal não tem o efeito positivo como o ministério da Saúde, OMS e os governadores apontam. Ele acredita que a propagação acelerou com a quarentena e que o isolamento dos grupos de risco teria efeito melhor. Mas, o presidente optou por Teich, médico oncologista que tem visão semelhante ao de Mandetta sobre medidas de isolamento social.
A orientação internacional baseada na experiência de países asiáticos, europeus e os EUA segue recomendando restrição de deslocamento e quarentena horizontal.
Em 4 de abril, Terra fez uma série de publicações em seu Twitter, e rebateu a de outros usuários, como a jornalista Gabriela Prioli, criticando as medidas de isolamento social, chegando a estabelecer relação entre elas e o aumento no número de casos de Covid-19.
Um dos seus tuítes recebeu sanção da plataforma, mas continuou disponível por ser considerado de “interesse público”. Nele, o deputado escreveu: “Insisto que a quarentena aumenta os casos do coronavírus.A curva da epidemia nos países que a adotaram mostra isso(veja a curva do contágio na Itália,a linha verde marca início de quarentena radical).Isso pq o contágio se transfere da rua para dentro de casa e fica mais fácil”.
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