O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um discurso com duras críticas ao modelo econômico adotado pela maioria dos países desenvolvidos no mundo ocidental, que seguem as regras de livre mercado. Ao falar na tribuna da ONU (Organização das Nações Unidas) nesta 3ª feira (19.set.2023), o presidente cobrou a reforma de órgãos multilaterais globais e disse que o princípio “da igualdade soberana entre as nações vem sendo corroído”.
Ao tecer as críticas ao sistema econômico predominante, o petista disse:
“O desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens. Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a ‘voz dos mercados’ e a ‘voz das ruas’. O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas”.
A expressão “neoliberalismo” foi usada de forma muito intensa nos anos 1980 e 1990 por partidos e grupos de esquerda ao criticar modelos econômicos que preconizam governos mais enxutos, com menos empresas estatais e mais iniciativa privada.
Essas declarações de Lula não surpreendem, mas apenas sumarizam o pensamento da atual administração federal, que acredita no Estado como grande fator indutor do crescimento do país.
Leia a íntegra do discurso do presidente (PDF – 172 kB).
Lula também pediu que os países se organizem para reduzir a desigualdade social, criticou a falta de apoio financeiro real das nações mais ricas para o enfrentamento de problemas climáticos nos países do chamado Sul Global, e disse que seu retorno ao poder é “uma vitória da democracia”.
Durante seu discurso, o presidente citou ainda o Brics (bloco de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como alternativa à desregulação dos mercados mundiais. Na verdade, Lula e os demais integrantes do bloco querem reforçá-lo como contraponto à área de influência do G7. Por isso, no último encontro do grupo, em agosto na África do Sul, foi aprovada a sua expansão.
“Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo. O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias”, disse Lula.
Desde que assumiu seu 3º mandato, em janeiro, Lula tem reiterado o apelo por uma reforma na ONU, especialmente no seu Conselho de Segurança, onde o Brasil pleiteia há décadas um assento permanente. O problema é que, dificilmente a organização será mudada no curto prazo.
Em seu discurso, Lula criticou a representação “desigual”, “distorcida” e “inaceitável” do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial.
“Não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo. As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. O Brics surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes”, disse.
O presidente disse também que os problemas nos organismos multilaterais e de comércio mundiais levam ao desemprego e à precarização do trabalho. “Governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a voz do mercado e a voz das ruas”, disse Lula.
“O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio a seus escombros, surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas”, completou.
Lula também afirmou que as dificuldades econômicas de vários dos países em desenvolvimento e mais pobres leva a governos nacionalistas e autoritários.
“Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário. Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores. Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU”, disse.
A Assembleia-Geral da ONU é realizada em Nova York, nos Estados Unidos, onde fica a sede da instituição. Foi a 8º fala do petista no evento. A última vez que discursou foi em 2009. Em 2010, ainda era presidente e poderia ter comparecido, mas estava focado na campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT), que o substituiu no cargo.
A sessão deste ano está esvaziada, sem a presença de líderes mundiais importantes como os presidentes da China, Xi Jinping, da Rússia, Vladimir Putin, da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.
Lula usou a tradicional gravata azul com listras nas cores da bandeira do Brasil –amarelo, azul, branco e verde. O presidente normalmente usa o adereço em situações em que quer reforçar a imagem do país, como em maio de 2017, no seu depoimento ao então juiz Sergio Moro, no Paraná; em 2008, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim; em 2022, em debate presidencial na Band contra Jair Bolsonaro.
Foco internacional
Um dos principais objetivos expressados pelo presidente Lula para o seu 3º mandato é “recolocar o Brasil no mundo”. O chefe do Executivo já passou quase 2 meses no exterior. Participou de fóruns com países ricos, como o G7 e o G20, e com nações em desenvolvimento, como a cúpula dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o G77.
Para além do discurso de que o Brasil precisa voltar a ser um player fundamental no jogo geopolítico internacional, entretanto, Lula espera ele próprio ser reconhecido por outros líderes como uma espécie de porta-voz principal dos países emergentes. Usa sua presença em cúpulas globais como um contraponto ao seu antecessor, Jair Bolsonaro, que tinha uma agenda externa muito mais tímida.
Na realidade, o presidente deseja também dar um lustro em sua biografia, depois de ter enfrentado um período preso por causa de condenações (agora anuladas) pela Lava Jato. Assessores citam também o desejo do presidente de receber o Prêmio Nobel da Paz.
Lula tem feito um esforço para aparecer em fóruns internacionais e em encontros bilaterais com outros chefes de Estado e de Governo. Em seus discursos, apareceu defendendo o fim da fome e da desigualdade no planeta. Cobra países ricos para que ajudem nações como o Brasil a cuidar do meio ambiente, aumentando doações em dinheiro.
Repete sempre que a ONU (Organização das Nações Unidas) e organismos multilaterais devem ter seus sistemas de governança reformados. O petista também fez comentários controversos sobre a guerra na Ucrânia, chegando a sugerir (depois recuando) que tanto esse país como a Rússia tinham responsabilidades equivalentes pelo conflito.
Os anseios que Lula apresenta agora, em seu 3º mandato, foram mais bem contemplados em seus 2 primeiros governos, de 2003 a 2010. O cenário mundial era outro e o petista conseguiu maior protagonismo. Atualmente, países como a Índia e a China polarizam a influência global, e os Estados Unidos continuam a ter hegemonia.
Até agora, apesar de já ter passado mais de 50 dias no exterior desde a sua posse, Lula tem conseguido muita exposição apenas na mídia brasileira, mas quase nada nos veículos internacionais. Na realidade, o resultado geral para o brasileiro foi aquém do que desejava porque ele próprio fez declarações controversas que foram mal recebidas nos EUA e na Europa Ocidental. Por exemplo, o petista chegou a dizer (depois recuou parcialmente) que Rússia e Ucrânia eram igualmente responsáveis pela guerra.