A Câmara decide nesta quarta-feira, 10, se a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco em 2018, será mantida ou anulada. Brazão está preso preventivamente desde o dia 24 de março por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso os colegas parlamentares decidam que ele deve ser solto, em função da imunidade parlamentar prevista em lei, o deputado tem a prerrogativa de voltar a exercer o mandato normalmente.
Isso porque o artigo 53 da Constituição e o regimento interno da Câmara versam somente sobre a deliberação da prisão, mas não entram em detalhes sobre o que deve ser feito a seguir. Portanto, a presunção é de que o deputado, uma vez posto em liberdade, pode exercer o mandato de forma plena. "A premissa é de que a prevalência seja da vontade popular, ou seja, o parlamentar como representante do povo", avalia o jurista Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Ele explica: "Foi uma escolha do povo tê-lo como representante, portanto, salvo decisão judicial ou da própria Câmara em sentido contrário, ele tem a premissa de voltar a exercer as funções parlamentares. A Câmara pode, num próximo momento, decidir por caçá-lo, por afastá-lo, mas até lá não há impedimentos", avalia.
Questionada, a Câmara dos Deputados disse que os detalhes sobre o mandato de Brazão em caso de sustação da prisão, como acesso à cota parlamentar, salários, descontos dos dias em que ele não participou das sessões parlamentares por estar preso, entre outros, só serão apurados e divulgados após a decisão do plenário, para onde segue a análise após parecer da CCJ.
Uma vez no plenário, a resolução será submetida à votação aberta e a decisão deve ter maioria absoluta de votos, ou seja, mais da metade do colegiado (pelo menos 257 votos dos 513). Segundo o regimento interno da Casa, nada impede que o deputado volte às atividades parlamentares, com direito a salário, cotas destinadas ao exercício do mandato, participação em votações, entre outras funções previstas ordinariamente.
A análise sobre a manutenção da prisão iniciou dia 26, mas a decisão da CCJ foi adiada em duas semanas em razão de um pedido de vista coletivo de três deputados: Fausto Pinato (PP-SP), Gilson Marques (Novo-SC) e Roberto Duarte (Republicanos-AC). Brazão está detido em um presídio federal em Campo Grande (MS), para onde foi transferido após ficar preso na Papuda, em Brasília.
Como revelou a Coluna do Estadão, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) quer a suspensão de salário dele e a abertura de um procedimento administrativo e o afastamento cautelar de Domingos Brazão - o que poderia resultar em aposentadoria compulsória. Domingos é irmão de Chiquinho, e outro suspeito de ser mandante do crime.
Eleito para a Câmara em 2018, o deputado federal, que está no segundo mandato em Brasília, ganhou R$ 2,2 milhões em salários brutos e gratificações natalinas entre fevereiro de 2019 e março de 2024. Conforme a página de gastos do deputado no site da Casa, em março, mês da prisão, ele recebeu R$ 20 mil em cota para o exercício da atividade parlamentar, e mais de R$ 125 mil em verba de gabinete. A remuneração do deputado seguiu o padrão dos outros meses, de R$ 44 mil. Em nota, a Câmara disse que "eventuais descontos da última semana do mês só têm efeitos na folha de pagamento seguinte".
Enquanto Brazão aguarda se o Ministério Público oferece ou não denúncia contra ele, ainda há outro processo em curso, aberto nesta quarta-feira, 10, sobre a possível cassação do mandato do parlamentar. O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara instaurou o procedimento por decisão do presidente do colegiado, deputado Leur Lomanto (União Brasil-BA), atendendo a um pedido da bancada do PSOL que alega quebra do decoro parlamentar, apresentado no último dia 27.
Parlamentares da sigla ouvidos pelo Estadão, afirmam que caso Brazão volte a exercer o mandato, o clima pelos corredores da casa será de revolta. A deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), disse ser ultrajante que a Câmara cogite a soltura do suspeito, relembrando que o crime chocou o Brasil e que a sociedade anseia por justiça para o caso por seis anos. "Isso só mostra o quanto boa parte dos deputados só se preocupa com os seus próprios interesses, utilizando das prerrogativas parlamentares para poderem se defender", disse a parlamentar.
Questionada sobre a possibilidade dos parlamentares voltarem a dividir os mesmos espaços com o suspeito de mandar assassinar a colega, Paula Coradi, presidente nacional do PSOL, disse que seria algo "vergonhosamente intolerável." "Vergonha para o parlamento brasileiro e uma afronta à família, à sociedade e especialmente aos deputados do PSOL, que teriam que conviver com um homem que assassinou uma companheira nossa". Tanto ela como os deputados consultados esperam que Brazão seja cassado. O processo no Conselho de Ética pode levar até 60 dias para ser concluído.