Estudo de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) mostra como a fumaça das queimadas na Floresta Amazônica e no Pantanal, assim como a da queima da cana-de-açúcar, afeta diretamente a qualidade do ar na cidade de São Paulo. O estudo mostrou que o pico de excesso de CO2 (dióxido de carbono) em dias com evento de fumaça foi de 100% a 1.178% maior do que nos sem fumaça. O trabalho foi publicado na revista científica Science of the Total Environment.
A pesquisa faz parte do projeto Metroclima, criado em 2020 e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O projeto conta com a participação de diferentes instituições do Brasil e do exterior.
“O objetivo é a criação de uma rede de medida de gases de efeito estufa, como o CO2 e o CH₄ (metano), na cidade de São Paulo, para avaliação de suas fontes e variabilidade temporal. Há aproximadamente 10 anos se iniciaram as medidas de gases de efeito estufa em áreas urbanas, como, por exemplo, em Los Angeles e Paris”, disse a professora Maria de Fátima Andrade, do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), coordenadora do projeto.
“Antes os dados de GEE estavam concentrados em locais remotos, mas com o tempo foi percebido que as cidades têm um papel central nas emissões e, conforme o tipo de superfície, no balanço do carbono. A meta é poder analisar a evolução das concentrações dos GEE e de suas fontes, inclusive as cidades”, declarou Maria de Fátima.
Os pesquisadores realizaram uma análise abrangente para esclarecer como as plumas de fumaça dos incêndios florestais no Pantanal e na Amazônia, bem como a fumaça das queimadas da safra de cana-de-açúcar no interior do Estado de São Paulo, são transportadas e injetadas na atmosfera da região metropolitana da capital paulista, onde pioram a qualidade do ar e aumentam os níveis de gases de efeito estufa.
“Os pontos de observação estão situados no IAG, na Cidade Universitária, Pico do Jaraguá, Unicid (Universidade Cidade de São Paulo), no Tatuapé, Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), em Pinheiros, e no Parque de Ciência e Tecnologia da USP, na Água Funda”, afirmou a coordenadora do projeto. “Os detalhes dos equipamentos e das medidas podem ser vistos no site do Me troclima. As medidas são contínuas com alta resolução”, disse.
Nos dias com eventos de fumaça na região metropolitana da cidade de São Paulo, as concentrações de material particulado fino excederam o padrão da OMS (Organização Mundial da Saúde) em 99% das estações de monitoramento da qualidade do ar. O pico de excesso de CO2 foi de 100% a 1.178% maior que nos dias sem evento de fumaça.
Os cientistas demonstraram também que eventos de poluição externa, como incêndios florestais, representam um desafio adicional para as cidades em relação às ameaças à saúde pública associadas à qualidade do ar. Os pesquisadores reforçaram a importância das redes de monitoramento de gases do efeito estufa para rastrear emissões e fontes locais e remotas dos gases em áreas urbanas.
Efeitos nocivos
“Os resultados estão sendo obtidos para ser possível uma análise de longo prazo, mas já foram publicados dados relacionados à quantificação da pluma de queimada de biomassa do Brasil Central que chegou a São Paulo”, declarou Maria de Fátima. “Nesse trabalho, também foi possível fazer uma avaliação além da contribuição da queima de biomassa e dos biocombustíveis utilizados pela frota veicular”, afirmou a coordenadora.
Segundo a professora, “a identificação e quantificação das fontes são essenciais para o conhecimento do inventário das emissões e para possibilitar as estratégias de controle”. Disse que outro objetivo importante no projeto é “determinar o papel das áreas verdes na cidade para a captura do CO2, contribuindo para sua redução”.
A poluição do ar é a principal causa ambiental de doenças e mortes prematuras no mundo. Partículas finas de poluição do ar ou aerossóis, também conhecidas como PM2.5, são responsáveis por 6,4 milhões de mortes todos os anos. Cerca de 95% dessas mortes ocorrem em países em desenvolvimento, onde bilhões de pessoas estão expostas a concentrações internas e externas de PM2.5 várias vezes maiores do que as diretrizes estabelecidas pela OMS.
Relatório do Banco Mundial estimou que o custo dos danos à saúde causados pela poluição do ar chega a US$ 8,1 trilhões por ano –o equivalente a 6,1% do PIB (Produto Interno Bruto) global.
Além da saúde, a poluição do ar também está ligada à perda de biodiversidade e ecossistema, e tem impactos adversos no capital humano. Reduzir a poluição do ar não só melhora a saúde, mas também fortalece as economias. Estudo do Banco Mundial constatou que uma redução de 20% na concentração de PM2.5 está associada a um aumento de 16% na taxa de crescimento do emprego e uma alta de 33% na taxa de crescimento da produtividade do trabalho.
“Penalidade climática”
Um aumento previsto na frequência, intensidade e duração das ondas de calor e uma alta associada de incêndios florestais em consequência das mudanças climáticas neste século devem piorar a qualidade do ar, prejudicando a saúde humana e os ecossistemas. A interação entre poluição e mudança climática imporá uma “penalidade climática” adicional para centenas de milhões de pessoas, de acordo com a OMM (Organização Meteorológica Mundial).
“À medida que o globo esquenta, os incêndios florestais e a poluição do ar associada devem aumentar, mesmo em um cenário de baixas emissões”, afirmou Petteri Taalas, secretário-geral da OMM. “Além dos impactos na saúde humana, isso também afetará os ecossistemas à medida que os poluentes do ar se depositam da atmosfera na superfície da Terra”, disse.
O projeto Metroclima tem a participação de pesquisadores do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), IQ (Instituto de Química), IF (Instituto de Física), Each (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) e IGc (Instituto de Geociências). Também há colaboração de cientistas da UTFPr (Universidade Técnica Federal do Paraná), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e Unicamp (Universidade de Campinas). No exterior, contribuem com o projeto pesquisadores de Nasa Jet Propulsion Laboratory, National Oceanic and Atmospheric Administration e Northestern University (Estados Unidos), Max Planck Institutes (Alemanha) e University of Surrey (Reino Unido).
Com informações do Jornal da USP.