Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - A dura declaração do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia foi recebida com surpresa pelo governo brasileiro pelo tom e pelo método como foi feito, mas não há intenção de dar uma resposta aos norte-americanos, disseram à Reuters fontes da diplomacia brasileira.
A declaração de um porta-voz do Departamento de Estado chegou a jornalistas na noite de quinta-feira, mas não foi repassada ao governo brasileiro pelos canais diplomáticos e nem ao menos por uma conversa entre diplomatas, disse uma das fontes.
"Como iríamos responder a um texto que não temos? E de autoria atribuída?", disse uma das fontes. "Nossos contatos com o Departamento de Estado são assíduos e sempre amistosos, sobre temas da agenda de trabalho. Não são pautados por declarações anônimas circuladas na imprensa."
Na declaração, o Departamento de Estado afirma que foi criada uma "falsa narrativa" de que o governo norte-americano estaria tentando fazer com que o Brasil tivesse que escolher um lado entre EUA e Rússia.
"Esse não é o caso. Essa é uma questão de o Brasil, como um país importante, parecer ignorar uma agressão armada de uma grande potência contra um país vizinho menor, uma postura inconsistente com a ênfase histórica do Brasil na paz e na diplomacia", diz a declaração.
"O timing do presidente do Brasil para expressar solidariedade à Rússia, conforme as forças russas estão se preparando para lançar ataques a cidades ucranianas, não podia ser pior", acrescenta. "Isso enfraquece a diplomacia internacional, direcionada a evitar um desastre estratégico e humanitário, assim como os próprios apelos brasileiros para uma solução pacífica para a crise."
O texto, vários tons acima do que normalmente é usado em comunicações diplomáticas, irritou o Itamaraty e não há intenção de procurar os norte-americanos para pedir explicações ou tentar pavimentar uma nova conversa.
"Se alguém deveria tentar algum contato são eles, para pedir desculpas por terem reclamado publicamente, em vez de usar os canais diplomáticos", disse uma segunda fonte.
Segundo o diplomata, havia uma indicação de que o governo norte-americano daria alguma declaração sobre a visita e a fala de Bolsonaro, mas não dessa maneira.
"Achamos que seria algo não tão pouco diplomático", disse.
O tom considerado agressivo dos comentários norte-americanos não é raro, mas o que causou surpresa entre os diplomatas é que o governo brasileiro muito raramente é alvo desse grau de truculência.
A crise foi causada pelas declarações de Bolsonaro durante a viagem à Rússia. O presidente havia sido orientado a não tratar da possibilidade de uma guerra entre Rússia e Ucrânia e ele mesmo havia dito que não tocaria no assunto se o presidente russo, Vladimir Putin, não o fizesse.
De fato, o presidente não citou a Ucrânia. Mas, no primeiro encontro com Putin, afirmou, ao lado do presidente russo que o Brasil era "solidário à Rússia." Depois, durante declaração a imprensa também ao lado de Putin, fez um ajuste.
"Somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz. Temos uma colaboração intensa (com a Rússia) nos principais foros internacionais como o Brics, o G20 e as Nações Unidas, onde defendemos a soberania dos Estados, o respeito ao direito internacional e a Carta das Nações Unidas."
Uma das fontes esclareceu que "a frase do presidente Jair Bolsonaro foi uma expressão espontânea de gentileza em relação a seu anfitrião, o presidente Vladimir Putin".
"Logo após, na declaração conjunta à imprensa, o presidente Bolsonaro acrescentou que 'somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz'", acrescentou a fonte.
Apesar da correção, a declaração incomodou os norte-americanos, que já haviam tentado dissuadir Bolsonaro de visitar a Rússia neste momento, sem sucesso.