Por Ricardo Brito e Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - O senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Orçamento do próximo ano, disse em entrevista exclusiva à Reuters na manhã desta quarta-feira que considera que a PEC da Transição deve contemplar um piso de despesas fora do teto de gastos de pelo menos 100 bilhões de reais, sem as quais ele considera que as contas de 2023 seriam inexequíveis.
"Todos os cálculos que eu fiz com os nossos assessores de Orçamento, nunca chegamos a um valor inferior a 100 bilhões de reais, sempre dá um valor superior", disse ele, destacando o risco de descontinuidade de programas como a distribuição de medicamentos do Farmácia Popular e da merenda escolar no caso de as despesas extra-teto ficarem abaixo desse patamar.
O senador disse que espera ver a PEC aprovada pelo Congresso na primeira quinzena de dezembro para que possa distribuir os recursos no Orçamento de 2023. Segundo ele, as prioridades para o ano que vem serão assegurar, pela ordem, a manutenção do valor de 600 reais para o Bolsa Família (hoje chamado de Auxílio Brasil), um reajuste real do salário mínimo e para os servidores públicos federais --neste segundo caso de cerca de 9% --, a recomposição dos orçamentos das áreas da saúde, educação e ciência e tecnologia, e ainda do programa Minha Casa, Minha Vida e de investimentos em obras do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT).
"Só temos condição de fazer o Orçamento se tiver a PEC, sem a PEC não tem como, nem aumento de servidor, nem aumento de salário mínimo, nem Farmácia Popular nem nada, não tem o que fazer. O Orçamento que está aí é inexequível", disse.
CABO DE GUERRA
Castro, que será o primeiro subscritor do texto da PEC, responsável por apresentar a proposta, disse que "por bem ou por mal", "chova ou faça sol" vai fazer isso ainda nesta semana para que ela possa ser votada no Senado na próxima semana e depois remetida à apreciação da Câmara no início de dezembro.
Segundo o senador, a sugestão do anteprojeto apresentada pela equipe de transição na semana passada, que previa um pagamento do Bolsa Família por fora do teto de forma permanente, "perdeu muita força". Segundo ele, agora há um cabo de guerra entre dois polos alternativos principais, e ele não se arrisca a dizer qual vai prevalecer.
"No começo houve muito entusiasmo, mas hoje são poucos que estão defendendo (a exceção permanente ao teto). A ideia de quatro anos está congregando aqueles que serão base do governo, e a ideia de um ano, aqueles que vão fazer oposição e aqueles que acham que é bom para o Congresso essa negociação ano a ano", avaliou.
O texto do anteprojeto prevê um furo na regra fiscal de até 198 bilhões de reais, mas senadores apresentaram ideias mais conservadoras, com exceções de 70 a 80 bilhões de reais. Para Castro, apesar desse embate, o mais normal é que uma das partes ceda, ao observar que vê da maioria um espírito de colaboração, não de "revanchismo".
"Nós queremos agora convergir para uma proposta que seja exequível, está na hora da articulação, da conciliação, do entendimento, de avançar, de ceder, de recuar para que a gente chegue a um texto consensual, nós não temos tempo", disse.
O senador afirmou que "muito provavelmente" a relatoria da PEC ficará com o senador Davi Alcolumbre (União-AP) ou com o colega Alexandre Silveira (PSD-MG) e apontou uma falta de articulação na negociação da proposta por parte do governo eleito há quase um mês.
"Eu tenho ouvido essa queixa. ‘Quem fala em nome do governo (eleito)? Quem é o interlocutor? Quem está empoderado para conversar com o Congresso?’ Os parlamentares querem conversar com o governo, é legítimo", emendou ele, referindo-se à PEC.
SEM ÂNCORA
Ao contrário do que vinha sendo aventado por integrantes da equipe de transição, Castro disse preferir que não se inclua na PEC qualquer tipo de indicação de novo arcabouço fiscal. Chegou-se a discutir a eventual remissão da PEC de que um projeto de lei complementar futuro trataria do assunto.
"Nós estamos com um problema do tamanho de uma montanha para resolver. Tudo que a gente puder não acrescentar de problema é bem-vindo", afirmou.
"Não sei se (incluir indicação para âncora fiscal) ajudaria, acho que vai ser mais um problema para as pessoas entenderem, discutir, criticar", destacou ele.
Para o senador, melhor seria deixar para discutir uma nova âncora fiscal em janeiro com nova equipe econômica em negociação com o Congresso.
O senador vai na mesma linha quando questionado sobre incluir na PEC uma eventual revisão para o próximo ano do orçamento secreto, tecnicamente chamado de emendas de relator. Esse tipo de rubrica orçamentária, que em 2023 terá um valor total de 19,4 bilhões de reais, dificulta o rastreio dos beneficiários e é alvo de ação no Supremo Tribunal Federal.
"Não podemos mexer com isso agora, isso vai criar uma animosidade, usei a expressão de que vamos mexer num vespeiro. Não estou tomando posição a favor ou contra, é o momento, temos um problema gigantesco para resolver, tudo mais se torna secundário", disse.
No próximo ano, Castro será o responsável por fazer as indicações das emendas de relator. Essa rubrica orçamentária teve forte crescimento sob o governo do presidente Jair Bolsonaro e o petista Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que pretendia acabar com esse tipo de emenda parlamentar caso fosse eleito.
O senador tem defendido que a proposta contemple apenas o que for "imprescindível, essencial e inadiável" e que a PEC não será um "liberou geral", embora entenda a reação negativa do mercado nos últimos dias.
"Aquele discurso do Lula fez, do meu ponto de vista, seria um discurso perfeito para os petistas dentro de um recinto fechado e sem ninguém estar gravando", disse ele, referindo-se a fala há duas semanas em que o petista criticou duramente o teto de gastos, gerando forte queda da Bolsa de Valores e alta do dólar.
Para Castro, a inclusão do nome do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na equipe de transição também "pegou muito mal".
"Não estou fazendo julgamento sobre ele, estou dizendo a percepção que a opinião pública tem", disse Castro. "Quando veio a PEC para retirar do gasto (do teto) o Bolsa Família de uma maneira perene, juntou as coisas e passou a ideia para o mercado e a opinião pública de um liberou geral, de uma falta de controle, de compromisso com o gasto público."