Rio tem dezenas de corpos enfileirados na rua após operação policial que matou ao menos 121

Publicado 29.10.2025, 09:26
Atualizado 29.10.2025, 20:07
© Reuters.

Por Rodrigo Viga Gaier, Janaína Quinet e Eduardo Simões

RIO DE JANEIRO, 29 Out (Reuters) - O Rio de Janeiro amanheceu nesta quarta-feira com dezenas de corpos enfileirados em uma rua nos arredores dos complexos de favelas do Alemão e da Penha, na zona norte da cidade, como resultado da operação policial mais letal da história do Estado, que deixou ao menos 121 mortos, sendo 117 criminosos e quatro policiais, de acordo com o governo estadual.

Testemunhas da Reuters viram ao menos 60 cadáveres enfileirados na Praça da Penha que, segundo relatos, teriam sido retirados da mata pelos próprios moradores que saíram em busca de parentes após a operação policial iniciada na terça-feira e que avançou pela madrugada desta quarta para prender lideranças da facção criminosa Comando Vermelho.

De acordo com a Defensoria Pública do Estado, o número de mortos na operação pode chegar a 132.

"Eu só quero tirar meu filho daqui e enterrar, sabe por quê? Não vai dar em nada. A verdade é essa, não vai dar em nada, porque aqui tem um montão de gente chorando, mas lá fora tem um montão de gente aplaudindo isso aí que eles fizeram, que foi uma chacina", disse à Reuters a costureira Tauã Brito, cujo filho foi morto na operação.

"É certo? Que operação é essa? Mudou o que? Entraram com algum esporte, algum estudo, alguma coisa de melhoria para mudar a vida dos jovens? Não mudaram nada!", lamentou.

Na manhã desta quarta, um grupo de moradores protestava nos arredores da favela da Penha contra a ação policial, enquanto corpos ainda eram retirados da região de mata. No fim da tarde, houve protesto também em frente à sede do governo estadual.

Em entrevista coletiva, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), disse que a operação visava cumprir mandados judiciais emitidos após um ano de investigações que apontaram que lideranças do Comando Vermelho de várias partes do país estavam escondidas na região.

O secretário estadual de Segurança Pública, Victor Santos, disse que a alta letalidade da operação era esperada e que a estratégia adotada foi a de atrair os criminosos para uma área de mata para que os confrontos acontecessem fora da área onde ficam os moradores, de forma a evitar "danos colaterais".

"Optou-se por fazer uma manobra tática para tirar esses marginais das edificações e levá-los para a área de mata", disse Santos, afirmando que os únicos "danos colaterais" da operação foram quatro moradores que ficaram feridos. Ele foi enfático ao afirmar que todos os mortos afora os quatro policiais eram criminosos.

"A gente não consegue imaginar um inocente de colete balístico, uniforme camuflado e em área de mata às 5h30 da manhã", afirmou.

O secretário disse que 113 pessoas foram presas, sendo 33 oriundas de outros Estados. Também foram apreendidas 118 armas, sendo 91 fuzis, afirmou. Ele defendeu que a operação foi "exaustivamente planejada", e criticou "falsos especialistas" que, segundo ele, falam "um monte de besteira".

O número de mortos confirmados pelo governo fluminense faz desta a operação policial mais letal da história do Brasil, superando o massacre no presídio do Carandiru, em São Paulo, em 1992, quando 111 presos foram mortos após uma rebelião em um pavilhão da casa de detenção. No Rio, a operação policial mais letal até então havia ocorrido em 2021, que deixou 28 mortos no bairro do Jacarezinho.

"ESTARRECIDO"

Em entrevista coletiva em Brasília, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que o governo federal não foi avisado pelo governo do Rio sobre a operação para que pudesse oferecer apoio. Ele disse ainda, após reunir-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras autoridades, que Lula ficou estarrecido com o número de mortos na operação.

"O presidente ficou estarrecido com o número de ocorrências fatais que se registraram no Rio de Janeiro e também, de certa maneira, se mostrou surpreso que uma operação desta envergadura fosse desencadeada sem o conhecimento do governo federal, sem nenhuma possibilidade de o governo federal poder de alguma forma participar", disse o ministro, que viajou, por determinação de Lula, ao Rio acompanhado do chefe da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.

Segundo Rodrigues, a Superintendência da PF no Rio foi acionada pelas forças de segurança pública do Estado para dar apoio operacional à ação desta terça, mas o apoio foi recusado por divergência sobre a forma como a operação estava sendo planejada. A cúpula da PF em Brasília só foi informada disso após a recusa da superintendência estadual, disse o chefe da PF.

Após reunião, o governador e o ministro anunciaram a criação de um escritório emergencial de enfrentamento ao crime organizado para que as ações passem a ser integradas.

Apesar de as autoridades fluminenses terem considerado a operação um sucesso por ter imposto o maior baque já sofrido pelo Comando Vermelho, especialistas em segurança pública e grupos da sociedade civil criticaram o elevado número de óbitos da ação.

"Foi uma operação desastrada, trágica, para dizer o mínimo. Uma operação com mais de 100 mortos. Acho que nem nos piores momentos da guerra da Ucrânia você tem 100 mortos assim numa operação, incluindo quatro mortes de policiais, que agrava bastante o aspecto trágico da operação, além de ter afetado imensamente a cidade do Rio de Janeiro", disse o ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo José Vicente da Silva Filho.

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que o ocorrido reforça uma tendência de operações policiais extremamente letais em comunidades marginalizadas do Brasil.

"Relembramos às autoridades suas obrigações perante o direito internacional dos direitos humanos e instamos a investigações rápidas e eficazes", afirmou a agência em comunicado.

Segundo o secretário de Segurança fluminense, as denúncias das famílias sobre abusos e exagero na violência por parte da polícia serão apuradas.

A operação policial aconteceu dias antes de o Rio de Janeiro sediar eventos globais relacionados à cúpula das Nações Unidas sobre o clima COP30, que acontecerá em Belém, em novembro.

Entre os eventos marcados para o Rio estão a cúpula global de prefeitos que combatem a mudança climática C40 e o Prêmio Earthshot, com a presença do príncipe britânico William, primeiro na linha de sucessão do trono do Reino Unido.

A polícia costuma realizar operações de grande escala contra grupos criminosos antes de grandes eventos no Rio, que sediou os Jogos Olímpicos de 2016, a cúpula do G20 de 2024 e a cúpula do Brics em julho.

Segundo o secretário de Segurança, a ação não teve qualquer relação com os eventos da próxima semana e foi deflagrada em cumprimento a prazos processuais para mandados de prisão e busca e apreensão.

(Reportagem adicional de Ricardo Moraes, no Rio de Janeiro; Oliver Griffin, Isabel Teles, Luciana Magalhães e Gabriel Araújo, em São Paulo; e Lisandra Paraguassu, em Brasília; texto de Eduardo Simões; edição de Pedro Fonseca)

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