Em silêncio até hoje sobre o caso das joias do presidente Jair Bolsoaro apreendidas pela Receita, o ex-ministro de Minas e Energia (MME) Adolfo Sachsida tenta se desvincular do caso. As joias foram trazidas da Arábia Saudita para o Brasil pelo antecessor de Sachsida, Bento Alquerque, em outubro de 2021. Eram duas caixas. Uma foi apreendida pela Receita Federal e continha joias avaliadas em R$ 16,5 milhões. Outra com relógio e outras peças valiosas que valeriam R$ 400 mil ficou guardada no cofre do MME.
Em novembro do ano passado, depois das eleições e com a derrota do então presidente, o segundo conjunto de joias foi despachado do MME para o presidente Bolsonaro já na gestão de Sachsida. "Não tenho nada a ver com isso. Não sei por que estão querendo me levar pra isso", disse Adolfo Sachsida ao Estadão, ao ser questionado sobre o assunto.
Desde a publicação da primeira reportagem sobre o caso das joias no início de março, a reportagem vinha tentando obter esclarecimentos do ex-ministro. Localizado, Sachsida mostrou que não quer ter seu nome vinculado ao episódio. "Não tenho nada a ver com essa história", repetiu, encerrando a ligação logo em seguida.
Como revelou o Estadão em 3 de março, a comitiva liderada por Bento Albuquerque tentou entrar irregularmente no Brasil, em 26 de outubro de 2021, com duas caixas de presentes dados pelo regime saudita e uma escultura de um cavalo. Um item - o estojo que ficaria guardado por mais de um ano no MME - entrou irregularmente. Já o cavalo e o conjunto de joias de diamantes, estimado em cerca de R$ 16,5 milhões, foram retidos durante inspeção realizada pelos auditores da Receita Federal, no aeroporto de Guarulhos.
Bento Albuquerque chegou a mencionar, naquela ocasião, que se tratava de um presente para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, e chegou a ligar para a chefia da Receita durante a apreensão, para tentar reaver o item, mas não teve sucesso. Mesmo tendo as duas caixas retidas, Bento não informou os fiscais sobre o conjunto que já tinha passado irregularmente em sua bagagem, e que seria trazido para Brasília, em um segundo voo.
Em sua defesa, Albuquerque tem afirmado que desconhecia o conteúdo das caixas, que se predispôs a trazer algo de outro país sem saber o que carregava e que, quando mencionou o nome de Michelle Bolsonaro, o fez de forma genérica. Ao Estadão, em entrevista em 3 de março, quando o escândalo foi revelado, o ex-ministro reafirmou que o kit que entrou no País era um presente para Bolsonaro e que o segundo, que ficou retido, seria para Michelle Bolsonaro.
No dia 7 de março, o Estadão revelou que o presidente Jair Bolsonaro recebeu pessoalmente o segundo pacote de joias da Arábia Saudita. No estojo estavam relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. Os bens foram inseridos como itens do acervo pessoal de Bolsonaro, em afronta ao que determina o Tribunal de Contas da União (TCU). Desde 2016, o entendimento do TCU é que os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de "caráter personalíssimo" como roupas e perfumes.
O Estadão teve acesso a documentos oficiais que comprovam que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República. O recibo indicando que Bolsonaro recebeu as joias de diamantes foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15 horas e 50 minutos do dia 29 de novembro de 2022. O papel da Documentação Histórica do Palácio do Planalto traz um item no qual questiona se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta: "sim".
Foi o próprio ex-ministro de Bolsonaro quem revelou que as joias eram para o ex-presidente. Em entrevista ao Estadão, Bento Albuquerque contou detalhes. Disse que ele e sua comitiva estavam deixando a Arábia Saudita, onde participaram de um evento representando Bolsonaro, quando um representante do regime os encontrou no hotel e entregou dois pacotes. Segundo ele, o conjunto de brilhantes avaliado em R$ 16,5 milhões era um presente para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. O outro pacote era para o presidente. "Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né... deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos", disse ao jornal.
Ao desembarcar em São Paulo, a comitiva pegou um voo para Brasília e trouxe o segundo estojo, sem passar pela alfândega, como o próprio ex-ministro admitiu na entrevista ao Estadão. "Quando nós chegamos em Brasília, nós abrimos o outro pacote, que tinha relógio... era uma caixa de relógio... não sei se... tinham mais algumas coisas, e era um presente. Então, o que nós fizemos? Nós pegamos, fizemos um documento, encaminhamos para a Receita Federal ou para o Serviço de Patrimônio da União... não sei, quem fez isso foi o gabinete (do MME). E foi isso", afirmou.