Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - As Forças Armadas não têm competência para atuar como uma espécie de poder moderador e intervir nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, decidiram por unanimidade os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento virtual.
O julgamento, que se encerrou nesta segunda-feira, tem como pano de fundo uma ação movida durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro pelo PDT que contestava a interpretação de que os militares poderiam intervir nos Poderes.
O PDT afirmou na ação que a interpretação do artigo 142 da Constituição por juristas de viés “reacionário” e “setores da caserna”, no sentido de que caberia às Forças Armadas moderar conflitos entre os Poderes, estava gerando “inquietações públicas”, especialmente no “atual cenário de conflagração social, política e jurídica”. Essa interpretação era frequentemente usada por bolsonaristas radicais para defender uma intervenção militar no país.
Bolsonaro, um militar reformado, sempre foi entusiasta de uma atuação mais política das Forças Armadas e está sendo investigado pelo STF por supostamente tentar recrutar os militares para tentar dar um golpe de Estado e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. Militares, alguns dos quais de alta patente, também estão sob investigação por esses fatos.
Em seu voto, o relator da ação, ministro Luiz Fux, afirmou que a Constituição não autoriza essa atuação das Forças Armadas para intervir em questões de política interna. "Não se observa no arcabouço constitucionalmente previsto qualquer espaço à tese de intervenção militar, tampouco de atuação moderadora das Forças Armadas, em completo descompasso com desenho institucional estabelecido pela Constituição de 1988", disse.
Segundo Fux, o poder dos chefes das Forças Armadas é limitado e cabe ao presidente da República o emprego dela, por iniciativa própria ou para atender a outros Poderes, mas nunca pode ser usado contra os próprios poderes entre si.
O decano do Supremo, Gilmar Mendes, destacou que a Constituição não admite qualquer tipo de solução de força, destacando que a população nada ganha com a politização dos quartéis.
O magistrado afirmou ainda que a utilização exacerbada do emprego dos militares em ações de Garantia da Lei e da Ordem, as GLOs, como resposta a problemas de segurança pública "serviu de sustentáculo para conferir densidade à despropositada construção teórica segundo a qual o art. 142 da Constituição autorizaria as Forças Armadas a atuarem com espécie de Poder Moderador".
Mendes citou o aumento da participação dos militares na vida política sob Bolsonaro.
"A tentativa abjeta e infame de invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não será devidamente compreendida se dissociada desse processo de retomada do protagonismo político das altas cúpulas militares", disse.
"A apuração de responsabilidades, inclusive de caráter institucional, é medida que se impõe e que será ultimada pelo Poder Judiciário", ressaltou ele.
O ministro Flávio Dino, indicado por Lula e o mais novo a ingressar no STF, chegou a propor que a decisão do Supremo fosse enviada "para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares" com o objetivo de tentar combater desinformação sobre o assunto.
Porém, não houve maioria para que isso ocorresse.