Cotada para o posto de vice na chapa do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na disputa pela prefeitura de São Paulo, a vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes (PL) criticou abertamente o mandatário em seus primeiros anos de atuação política. A parlamentar fez ao menos 220 postagens negativas nas redes sociais alegando, por exemplo, que Nunes adotou a "ideologia de gênero" nas escolas da capital e instaurou uma "ditadura higienista" ao exigir certificados de vacinação contra a covid-19 de servidores públicos da cidade.
Sonaira também reclamou de homenagens propostas ao ex-prefeito Bruno Covas (PSDB) após a sua morte, em maio de 2021, em virtude de um câncer. Segundo ela, a quantidade de projetos renomeando espaços públicos representava "uma ameaça à própria memória da cidade, comprometendo as referências históricas". A vereadora foi a única, com exceção da bancada do PSOL, que votou contra a associação feita a Covas no Parque Augusta, por exemplo, inaugurado em novembro daquele ano.
O Estadão procurou Sonaira na sexta-feira, 19, para saber se ela mantém as críticas feitas anteriormente e aceitaria um eventual convite para ser vice de Nunes diante das discordâncias anteriores, mas não teve resposta. A campanha do prefeito se limitou a dizer que "é muito cedo para falar em pré-candidato a vice".
Ex-secretária estadual de Políticas para a Mulher, Sonaira conta com a simpatia da ala bolsonarista do PL e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para compor com Nunes nas eleições de 2024. O nome, porém, ainda não está definido. Também aparecem no páreo o coronel da reserva da Polícia Militar Ricardo Mello Araújo, o preferido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o atual secretário municipal de Relações Internacionais, Aldo Rebelo (MDB), que seria uma alternativa de fora do PL, entre outros.
Na semana passada, o presidente nacional do MDB, deputado federal Baleia Rossi, que coordena a campanha do prefeito em São Paulo, declarou à CNN Brasil que pretende realizar uma pesquisa qualitativa para avaliar os nomes cotados para vice de Nunes, entre eles o de Sonaira. Nunes também compareceu ao ato de filiação da vereadora ao PL, em março deste ano, e posou para fotos.
Ataque antes da eleição e brigas na pauta de costumes
A maioria das menções negativas de Sonaira a Nunes ocorreu entre julho de 2021 e janeiro de 2022, quando ela ainda cumpria os seus primeiros meses de mandato. A parlamentar dizia, à época, manter "franca oposição" ao prefeito "sempre que necessário", o que contrastava com a relação próxima do seu antigo partido, o Republicanos, com o governo.
O post mais antigo é um ataque pessoal e data de novembro de 2020, quando Covas e Nunes ainda não tinham sido eleitos. "Não fique surpreso se, em 2022, Covas abandonar a prefeitura para ser lançado a governador de São Paulo com (João) Doria concorrendo à presidência. Neste caso, a cidade de São Paulo ficará nas mãos do vice de Covas, Ricardo Nunes, um vereador mediano que, confesse, você nem sabia que existe", escreveu ela no X, antigo Twitter.
Já durante o mandato, a primeira rusga surgiu por conta de um projeto de lei de autoria do ex-vereador Eduardo Suplicy (PT) que criou o marco regulatório da economia solidária, a chamada Lei Paul Singer. O texto inaugurava uma política municipal de incentivo a esse tipo de atividade econômica, baseada em autogestão e decisões compartilhadas.
Grupos conservadores, no entanto, passaram a declarar que trechos do projeto abriam brechas para o ensino de "ideologia de gênero" nas escolas. O motivo era que o respeito à diversidade estava colocado como um dos princípios do modelo e, paralelamente, em outro artigo, o projeto defendia a abordagem do conceito de economia solidária na rede municipal de educação.
Com a aprovação do projeto no Legislativo paulistano, Sonaira passou a pressionar diretamente Nunes para vetar a iniciativa. O prefeito acabou sancionando parcialmente o projeto, no limite do prazo, em uma atitude considerada insuficiente pelo grupo que dizia formar a "bancada cristã" na Câmara de São Paulo. "Nunes deixou claro que não ouve a voz das famílias", concluiu a vereadora. Em pouco tempo, passou a apelidar ironicamente o prefeito de "herói dos conservadores de Instagram" e questionar a sua religião católica.
Decreto de vacina rendeu comparação com a 'União Soviética'
A maior quantidade de críticas encontradas pelo Estadão em suas contas de Twitter, Facebook (NASDAQ:META) e Instagram se referem à exigência de certificado de vacinação contra a covid-19 ao funcionalismo e em espaços públicos da cidade, uma pauta adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e que encontrou eco entre seus apoiadores.
Em agosto de 2021, a prefeitura cobrou a imunização de todos os servidores, sob risco de demissão em caso de recusa injustificada, além de tornar obrigatória a apresentação do passaporte da vacina para acesso ao Edifício Matarazzo, sede da administração municipal. O prefeito também editou decreto exigindo o certificado de vacinação em eventos com mais de 500 pessoas.
"Sem garantias sobre efeitos colaterais de vacinas que estão em fase experimental (sic), o prefeito Ricardo Nunes baixou um decreto típico da União Soviética, atropelando a autonomia individual e obrigando os servidores a correrem contra o tempo para se vacinar!", afirmou a vereadora em um dos posts. Em outros momentos, classificou a atitude como "surto de autoritarismo" e alegou que a gestão Nunes representava o retorno "aos tempos do petismo" em São Paulo. "Nossa cidade está sob a gestão literalmente de ditadores. Há quase dois anos o paulistano sofre com as tiranias de governantes que seguem a agenda da morte!"
Em meio à cruzada contra a vacinação obrigatória, Sonaira chegou a convocar uma manifestação em frente à Prefeitura, mas o ato foi adiado. Dias depois, compareceu a protesto na Avenida Paulista e fez questão de atacar nominalmente o prefeito ao menos três vezes em seu discurso. "Estamos na Câmara Municipal lutando contra esse absurdo do passaporte sanitário que o prefeito Ricardo Nunes, de forma autoritária, está impondo para os paulistanos. Todos os dias, recebemos e-mail, ligações do povo trabalhador que está sendo ameaçado de ser mandado embora", declarou em trecho compartilhado nas redes sociais.
A atuação da Prefeitura de São Paulo na campanha de vacinação contra a covid-19 costuma ser levantada por Nunes em eventos públicos justamente como uma forma de se afastar de posicionamentos mais radicais de Bolsonaro e cativar o eleitorado de centro. O prefeito abordou o tema, por exemplo, em um encontro com sindicalistas em janeiro deste ano, convocado por dirigentes do Solidariedade, um partido de centro-esquerda que firmou aliança com ele.
Outras críticas diretas de Sonaira a Nunes envolveram a realização do Carnaval ainda em um cenário de pandemia, a contratação de artistas em eventos culturais e alguns projetos encaminhados pelo Executivo para a Câmara. As matérias tratavam de impostos municipais, reajustes salariais, mudanças no regime previdenciário e até mesmo uma tentativa de instituir o guarani como segunda língua oficial do município - a vereadora entendeu que a proposta assumia uma "agenda romântica do anticolonialismo" e atentava contra a língua portuguesa.
A possível contradição na formação da chapa de reeleição do prefeito também está presente na costura política feita pelo seu principal adversário de momento nas pesquisas, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). O PT indicou para a vaga de vice a ex-prefeita Marta Suplicy, que coleciona atritos desde que rompeu com o partido após o escândalo da Lava Jato. Em 2016, quando era senadora, votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Marta também fez parte da gestão Nunes até o começo deste ano, tendo justificado a troca de lado pela aproximação do emedebista com Bolsonaro.