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“A maioria acha que a mídia é tendenciosa”, diz Jeff Bezos

Publicado 29.10.2024, 12:38
“A maioria acha que a mídia é tendenciosa”, diz Jeff Bezos
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O dono do The Washington Post escreveu um artigo publicado na 2ª feira à noite (28.out.2024) no site do jornal explicando a razão de a publicação ter decidido não endossar neste ano a candidatura de nenhum postulante ao cargo de presidente dos Estados Unidos. O empresário argumentou que a decisão foi decorrência da perda de credibilidade da indústria de mídia jornalística: “A maioria das pessoas acha que a mídia é tendenciosa”.

Bezos citou uma pesquisa recente do Gallup, que mede a confiança dos norte-americanos nas instituições. Diz que pela primeira vez em mais de 50 anos a credibilidade de jornais e jornalistas ficou abaixo da do Congresso: “As pesquisas públicas anuais mostram que a confiança e a reputação de jornalistas e da mídia têm caído regularmente perto do fundo do poço […]. Nossa profissão agora é a menos confiável de todas. Algo que estamos fazendo claramente não está funcionando”.

“Qualquer um que não esteja percebendo isso deve estar prestando pouca atenção à realidade, e aqueles que lutam contra a realidade perdem”, escreveu Bezos. Para ele, endossar candidatos a presidente apenas reforça no público leitor a percepção de que jornalistas trabalham de maneira enviesada e que não merecem confiança.

O apoio de jornais tradicionais é uma tradição antiga nos EUA. Neste ano, além do Post, o Los Angeles Times também anunciou que não daria apoio nem à democrata Kamala Harris nem ao republicano Donald Trump. Em geral, a maior parte dos jornais relevantes dos EUA teria uma tendência neste ano de 2024 a apoiar o Partido Democrata, até por causa do histórico de críticas que a mídia recebe de Trump.

Jeff Bezos argumenta, entretanto, que fazer esses endossos tem relevância mínima no processo eleitoral, mas acabam tirando ainda mais a credibilidade dos veículos jornalísticos.

“Os endossos presidenciais [de jornais a candidatos a presidente] não influem em nada na balança de uma eleição. Nenhum eleitor indeciso na Pensilvânia vai dizer: ‘Vou votar de acordo com o endosso do Jornal A’. Nenhum. O que os endossos presidenciais realmente fazem é criar uma percepção de parcialidade. Uma percepção de não independência. Acabar com esses endossos é uma decisão baseada em princípios, e é a decisão certa”, escreve o empresário que também é dono da Amazon (NASDAQ:AMZN) (empresa de comércio eletrônico) e da Blue Origin (empreendimento de lançamento de foguetes e satélites).

Bezos escreve que “a falta de credibilidade” não é um problema “só para a indústria de mídia jornalística, mas também para a nação”. Para ele, “muitas pessoas estão preferindo consumir podcasts improvisados, postagens imprecisas em redes sociais e de outras fontes de notícias não verificadas” e isso aprofundaria “as divisões na sociedade”. O empresário enxerga um distanciamento entre jornais e sociedade: “Cada vez mais falamos só com uma certa elite. Cada vez mais, falamos apenas com nós mesmos”.

A decisão do Post de não endossar nenhum candidato (o apoio seria para Kamala Harris e o texto do editorial já estava pronto) resultou numa perda de 200 mil assinantes já na 2ª feira (28.out). Mas houve outras críticas a Bezos. O anúncio da neutralidade do jornal coincidiu com um encontro do CEO da Blue Origin, David Limp, com Donald Trump. Logo apareceram na mídia interpretações sobre uma possível troca de favores.

A Blue Origin é concorrente da Space X, do empresário trumpista Elon Musk. Lançar naves espaciais e instalar satélites na órbita da Terra são negócios que têm forte dependência de decisões do governo nos Estados Unidos. Musk é próximo a Trump e se o republicano vencer há uma expectativa de que sua empresa tenha mais facilidades para operar. A Blue Origin, num cenário desses, ficaria em desvantagem.

Bezos cita essa coincidência de fatos em seu artigo: “Não há nenhum quid pro quo [troca de favores] com relação à decisão de não endossar um candidato a presidente […]. Dave Limp, o presidente-executivo de uma das minhas empresas, a Blue Origin, encontrou-se com o ex-presidente Donald Trump no dia do anúncio de nossa decisão. Suspirei quando descobri, porque sabia que isso daria munição para aqueles que gostariam de enquadrar a decisão do jornal como algo diferente de uma decisão baseada em princípios. Mas o fato é que eu não sabia sobre a reunião de antemão. Nem mesmo Limp sabia com antecedência sobre o que jornal iria decidir; a reunião [com Trump] foi agendada rapidamente naquela manhã. Não há conexão entre essa reunião e nossa decisão sobre endossos presidenciais, e qualquer sugestão em contrário é falsa”.

ARTIGO DE JEFF BEZOS

Eis a seguir a íntegra do artigo traduzido para o português:

“As pesquisas públicas anuais mostram que a confiança e a reputação de jornalistas e da mídia têm caído regularmente perto do fundo do poço, muitas vezes apenas um pouco acima das taxas registradas pelo Congresso. Mas na pesquisa Gallup deste ano, conseguimos cair abaixo do Congresso. Nossa profissão agora é a menos confiável de todas. Algo que estamos fazendo claramente não está funcionando.

“Deixe-me fazer uma analogia. As máquinas de votação eleitoral devem atender a dois requisitos. Devem contar os votos com precisão, e as pessoas devem acreditar que os votos são contados com precisão. O segundo requisito é distinto e tão importante quanto o primeiro.

“O mesmo acontece com os jornais. Devemos ser precisos, e devemos esperar que o público entenda somos precisos. É uma pílula amarga de engolir, mas estamos falhando no segundo requisito. A maioria das pessoas acha que a mídia é tendenciosa. Qualquer um que não esteja percebendo isso deve estar prestando pouca atenção à realidade, e aqueles que lutam contra a realidade perdem. A realidade é uma campeã difícil de ser derrotada. Seria fácil culpar os outros por nossa longa e contínua queda na credibilidade (e, portanto, no declínio de impacto que os jornais têm), mas uma mentalidade vitimista não ajuda. Reclamar não é uma estratégia. Precisamos trabalhar mais para atuar com o que podemos controlar e assim aumentar nossa credibilidade.

“Os endossos presidenciais [de jornais a candidatos a presidente] não influem em nada na balança de uma eleição. Nenhum eleitor indeciso na Pensilvânia vai dizer: ‘Vou votar de acordo com o endosso do Jornal A’. Nenhum. O que os endossos presidenciais realmente fazem é criar uma percepção de parcialidade. Uma percepção de não independência. Acabar com esses endossos é uma decisão baseada em princípios, e é a decisão certa. Eugene Meyer, editor do ‘The Washington Post’ de 1933 a 1946, pensava da mesma forma, e ele estava certo. Por si só, parar de endossar candidatos presidenciais não é suficiente para melhorar a confiança do público, mas é um passo relevante na direção certa. Gostaria que tivéssemos feito a mudança antes, em um momento mais distante da eleição e das emoções em torno do processo político. Tomar a decisão agora foi fruto de um planejamento inadequado, mas não uma estratégia intencional.

“Também gostaria de deixar claro que não há nenhum quid pro quo [troca de favores] com relação à decisão de não endossar um candidato a presidente. Nem a campanha nem candidatos foram consultados ou informados em nenhum nível ou de nenhuma forma sobre essa decisão. Ela foi tomada inteiramente de maneira interna. Dave Limp, o presidente-executivo de uma das minhas empresas, a Blue Origin, encontrou-se com o ex-presidente Donald Trump no dia do anúncio de nossa decisão. Suspirei quando descobri, porque sabia que isso daria munição para aqueles que gostariam de enquadrar a decisão do jornal como algo diferente de uma decisão baseada em princípios. Mas o fato é que eu não sabia sobre a reunião de antemão. Nem mesmo Limp sabia com antecedência sobre o que o jornal iria decidir; a reunião [com Trump] foi agendada rapidamente naquela manhã. Não há conexão entre essa reunião e nossa decisão sobre endossos presidenciais, e qualquer sugestão em contrário é falsa.

“Quando se trata da aparência de conflito de interesses, eu não sou um proprietário ideal do ‘Post’. Todos os dias, em algum lugar, algum executivo da Amazon ou da Blue Origin ou alguém de outras organizações filantrópicas e empresas que de minha propriedade ou nas quais invisto se reúne com autoridades governamentais. Certa vez, escrevi que o ‘Post’ é um ‘complexificador’ para mim. É mesmo, mas eu também sou um ‘complexificador’ para o ‘Post’.

“Você pode ver minha riqueza e interesses comerciais como um baluarte contra a intimidação, ou pode vê-los como uma rede de conflito de interesses. Somente meus próprios princípios podem inclinar a balança para um lado ou para o outro. Garanto que minhas opiniões aqui são, de fato, baseadas em princípios, e acredito que meu histórico como proprietário do ‘Post’ desde 2013 dá respaldo isso. É claro que cada um é livre para fazer seu próprio juízo de valor, mas eu desafio qualquer um a encontrar um episódio nesses 11 anos em que eu tenha prevalecido sobre a alguém no ‘Post’ para favorecer meus interesses. Isso não aconteceu.

“A falta de credibilidade não é exclusiva do ‘Post’. Nossos jornais irmãos têm o mesmo problema. E é um problema não só para a indústria de mídia jornalística, mas também para a nação. Muitas pessoas estão preferindo consumir podcasts improvisados, postagens imprecisas em redes sociais e de outras fontes de notícias não verificadas, que podem rapidamente espalhar desinformação e aprofundar as divisões na sociedade. O ‘Washington Post’ e o ‘New York Times’ ganham prêmios, mas cada vez mais falamos só com uma certa elite. Cada vez mais, falamos apenas com nós mesmos. (Nem sempre foi assim —na década de 1990, alcançamos 80% de penetração domiciliar na área metropolitana do Distrito de Colúmbia, onde está a capital dos EUA, Washington).

“Embora eu não force e nem vá impor meu interesse pessoal, também não permitirei sem lutar que o ‘Post’ fique no piloto automático e desapareça na irrelevância —superado por podcasts que falam de temas sem pesquisar ​​e farpas de redes social. O tema é muito importante. Os riscos são muito altos. Agora, mais do que nunca, o mundo precisa de uma voz que seja crível, confiável e independente, e onde melhor para essa voz se originar do que a capital do país mais importante do mundo? Para vencer essa luta, teremos que exercitar novos músculos. Algumas mudanças serão um retorno ao passado, e algumas serão novidades. A crítica será parte integrante de qualquer coisa nova, é claro. Este é o jeito do mundo. Nada será fácil, mas valerá a pena. Sou muito grato por fazer parte desse esforço. Muitos dos melhores jornalistas que você encontrará em qualquer lugar trabalham no ‘The Washington Post’, e eles trabalham arduamente todos os dias para chegar à verdade. Eles merecem que o público os vejam com confiança.”

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