Por Paula Arend Laier
SÃO PAULO (Reuters) - Dificuldades de articulação política do governo federal e números fracos sobre a atividade econômica brasileira, em meio à reviravolta recente no embate comercial EUA-China, devem chancelar um famoso ditado do mercado financeiro na bolsa paulista neste ano e as incertezas são tantas que não há consenso entre gestores se a queda recente deixou o Ibovespa atrativo.
Índice de referência do mercado acionário brasileiro, o Ibovespa já acumula neste mês declínio ao redor de 5 por cento, acusando a chance de confirmar o adágio "sell in May and go away" (venda em maio e vá embora), que marcou os últimos nove anos do pregão paulista - a última vez que o Ibovespa fechou maio no azul foi em 2009.
"Sempre algo ocorre" disse o gestor Henrique Bredda, sócio na Alaska Asset Management, que tem 10 bilhões de reais sob gestão. Ele listou entre os fatores para queda do índice em maio eventos no exterior, como medo de desaceleração global acentuada e acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, além da desconfiança quanto à reforma da Previdência.
Nos anos recentes, a performance de maio da bolsa paulista sofreu com a greve dos caminhoneiros (2018), a delação de executivos da JBS (SA:JBSS3) (2017) e expectativas em torno da formação da equipe econômica do governo Michel Temer e juros nos EUA (2016).
Bredda contudo, considera qualquer ajuste negativo como oportunidade de compra. "Ativos brasileiros seguem demasiadamente baratos e achamos uma bela oportunidade de acumular mais desses ativos."
Desde a máxima histórica registrada durante um pregão, de 100.438,87 pontos, em março, a queda do Ibovespa ronda 9%.
"Nós estamos aproveitando este movimento de mercado para alocar, marginalmente, nosso caixa", disse o sócio de outra gestora em São Paulo, com cerca de 6 bilhões de reais sob gestão, destacando, contudo, que o prognóstico em relação ao cenário brasileiro mudou. "Intensificou a dificuldade de o governo federal se articular", afirmou.
Maio deste ano tem sido marcado pela deterioração do clima político, com a morosidade na tramitação da reforma da Previdência e ruídos em outras esferas do governo, incluindo investigações sobre pessoas próximas do presidente Jair Bolsonaro e a manifestação nacional contra cortes de verbas para a Educação, ocorrida na véspera.
"O ruído atrapalha na articulação política em Brasília, e preocupa o mercado que lê isso como sinais de potenciais atrasos no andamento da reforma da Previdência", disse a XP Investimentos em comentários ao mercado, referindo-se ao texto considerado crucial para a melhora da situação fiscal do país.
No momento, a matéria está em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados, sem previsão para ser votada.
"Nós estamos fazendo apenas algumas trocas (na carteira)", disse o gestor Florian Bartunek, sócio na Constellation, em São Paulo, que tem 7 bilhões de reais sob gestão, destacando que tal posicionamento reflete o quadro de economia ainda fraca no país.
Pesquisa Focus do Banco Central nesta semana mostrou a 11ª revisão para baixo nas previsões no mercado para o crescimento do PIB brasileiro em 2019, que agora está em 1,45%. O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br), espécie de sinalizador do PIB, encolheu nos três primeiros meses do ano.
Levantamento do BofA Merrill Lynch Data Analytcs com gestores de cerca de 77 bilhões de dólares mostrou a ampla maioria ainda acreditando na aprovação da reforma até o segundo semestre, mas apenas uma pequena parte disse que tal desfecho será suficiente para se adotar um tom positivo para o Brasil.
Os gestores querem ver principalmente crescimento econômico, mostrou a pesquisa, além de privatização e vendas de ativos e progresso em outras reformas. A maior fatia entre os consultados ainda vê o Ibovespa entre 95 mil e 110 mil pontos no final do ano, mas caiu a parcela que enxerga acima disso.
"Há muita insegurança ainda", citou outro gestor baseado no Rio de Janeiro, entre 10 profissionais de gestoras independentes ouvidos pela Reuters nesta semana.
Do cenário externo, a mudança no tom para pior nas negociações comerciais entre Washington e Pequim - com ambos anunciando tarifas - respaldou o viés mais defensivo no mercado brasileiro ao exacerbar receios sobre o ritmo de crescimento da economia global.
Para um dos sócios de uma gestora em São Paulo, contudo, notícias melhores nesse front podem reverter o movimento negativo das ações no Brasil, visão acompanhada por colegas.
A perspectiva de normalização da guerra comercial está entre os argumentos de outro gestor, também em São Paulo e com cerca de 5 bilhões de reais sob gestão em fundos multimercados, que começou a alocar novamente conforme o Ibovespa recuou abaixo de 92 mil pontos. "São posições táticas de curto prazo."
Investidores estrangeiros também se mostraram ariscos nos primeiros dias em maio, com o saldo de capital externo negociado no segmento Bovespa negativo em 3,76 bilhões de reais no mês até o dia 14, resultando em saídas líquidas de 3,25 bilhões de reais em 2019. Até abril, o saldo no ano estava positivo.
Alguns dos gestores ouvidos pela Reuters afirmaram que estão com o 'dedo no gatilho', esperando avanços na Previdência, que veem que pode trazer capital externo para as ações brasileiras para aumentar exposição. Outros aguardam mais quedas - "estamos esperando 90 mil pontos" - que deixem o Ibovespa mais atrativo.
"Mais uma vez os astros se alinharam em maio. Mas se o presidente Donald Trump recuar mesmo (na negociação comercial com a China) e acontecer um milagre na articulação no Brasil, quem sabe a bolsa se recupera nessa última quinzena", afirmou o gestor de uma empresa ligada a previdência complementar, com sede no Rio de Janeiro.