Por Gabriela Mello e Carolina Mandl
SÃO PAULO (Reuters) - Poucas semanas atrás, misturadores de cimento, guindastes, escavadeiras e trabalhadores em pelo menos quatro diferentes obras residenciais e comerciais tumultuavam uma estreita rua próxima à Faria Lima, a mais movimentada via empresarial de São Paulo.
Em um dos vários canteiros de obras de São Paulo, a atividade - juntamente com uma longa fila de empresas que queriam levantar cerca de 10 bilhões de reais em ofertas públicas iniciais de ações - sugeria que o mercado imobiliário brasileiro finalmente se recuperava de uma longa crise.
Embora as obras prossigam em muitas das ruas agora esvaziadas pela pandemia de coronavírus, ao menos uma dúzia de listagens de ações de construtoras foi cancelada ou adiada.
As ações da Mitre Realty Empreendimentos, que em fevereiro tornou-se a primeira incorporadora a listar ações na bolsa paulista em mais de 10 anos, despencaram cerca de 39%, superando a queda de 35% do Ibovespa.
"Quando se olha para a bolsa de valores vemos movimentos de venda por investidores que querem se proteger das incertezas, então não é um bom momento para IPOs", afirmou Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc).
A indústria da construção civil desempenha papel crucial na economia brasileira, respondendo atualmente por cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) e mais de 5% dos empregos com carteira assinada. Mas o setor foi um dos que mais sofreu com a recessão que atingiu o país a partir de 2014.
Marcada por inadimplência recorde, distratos e custos de financiamento altíssimos, a mais recente crise vivida pela construção civil levou duas incorporadoras a pedir recuperação judicial e outras a reestruturar suas dívidas.
Agora, mesmo com a taxa de juros em um nível historicamente baixo de 3,75%, o que normalmente encorajaria financiamentos imobiliários, brasileiros devem adiar a compra de imóveis em meio a alertas de aumento do desemprego, à medida que empresas são forçadas a suspender atividades, segundo agentes do mercado.
"O mercado imobiliário costuma ser um refúgio em tempos de crise, mas cancelamentos ou adiamento das vendas podem ocorrer se o desemprego subir", disse Basilio Jafet, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) de São Paulo, centro financeiro do Brasil.
Há pouco mais de um mês, o Secovi-SP projetava alta de 10% nas vendas de novos imóveis residenciais na cidade de São Paulo em 2020 em meio a expectativas de avanço em importantes reformas econômicas.
Mas esses números devem ser revisados para baixo após o surto de coronavírus, apesar dos esforços de construtoras para prosseguir com as vendas por meio de canais digitais enquanto os stands e showrooms seguem fechados por determinação de autoridades para conter a epidemia.
Conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil tinha 5.571 casos confirmados da doença Covid-19 e 201 mortes até terça-feira, dia 31.
"Parecia um cenário perfeito para o setor imobiliário, com baixas taxas de juro, atividade econômica se recuperando e vendas começando a crescer", disse Guilherme B. Netto, sócio na RBR Asset Management, especializada em ativos imobiliários. "Agora está tudo incerto."
CANTEIROS DE OBRAS E NOVOS PROJETOS EM ABERTO
Apesar das regras de isolamento social adotadas por decretos municipais e estaduais e de algumas interrupções no transporte coletivo, as obras não foram paralisadas, dado que os trabalhos ocorrem a céu aberto.
Um esquema de rodízio para refeições também vem sendo adotado para reduzir o risco de contaminação pelo coronavírus, acrescentou Jafet.
"Somos a locomotiva, então se nós pararmos os vagões também param", disse José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), lembrando que outros 62 setores, incluindo o varejo, são impactados pela construção civil.
Embora as obras em andamento continuem, incertezas sobre a duração da crise colocam em risco os lançamentos de novos projetos.
"Não vamos lançar nada do jeito que as coisas estão", disse Raphael Horn, co-presidente da Cyrela (SA:CYRE3), em teleconferência recente com analistas sobre os resultados do quarto trimestre.
O desemprego, que deve disparar com a epidemia do coronavírus, é a principal preocupação, afirmou o gestor de ativos da Ace Capital, Gabriel Trebilcock. "As taxas de juros baixas são importantes para o setor, mas não são tudo. O desemprego precisa cair para impulsionar as vendas."
Ainda assim, participantes do setor seguem cautelosamente otimistas, destacando sinais de esperança na China, epicentro inicial do coronavírus.
"A China conseguiu controlar o coronavírus, então só podemos esperar que o resto do mundo também o fará e não tenho dúvidas de que o mercado imobiliário se recuperará na mesma velocidade com a qual caiu", disse França.
Outros se esforçam para manter o cronograma de lançamentos enquanto for possível.
"Por enquanto, nossa decisão foi lançar os novos projetos planejados para março e abril também", contou Eduardo Fischer, co-presidente da MRV (SA:MRVE3), a maior construtora de imóveis econômicos da América Latina. "Mas em momentos como esse a decisão de segunda-feira pode não ser a mesma da terça", alertou o executivo.