Por Ana Julia Mezzadri
Investing.com - A pandemia de coronavírus acelerou uma série de tendências que já vinham ocorrendo, como o trabalho remoto e a digitalização de muitas atividades. Talvez a principal delas seja a das compras online: tendência que as principais varejistas brasileiras souberam aproveitar. Agora, a questão que se coloca é para onde deve caminhar o crescimento dessas plataformas.
No segundo trimestre, as vendas online da Via Varejo, com crescimento de 280%, compensaram totalmente a perda de receita das lojas físicas. No Magazine Luiza, o e-commerce cresceu 182% no trimestre, impulsionando uma alta de 49% nas vendas totais. A B2W, cujas operações já eram predominantemente online, teve 72,2% no total de vendas no período.
No ano, as ações da VVAR3) têm alta acumulada de 80,39%, as da MGLU3 subiram 98,18% e as da BTOW3, 83,46%. Enquanto o Ibovespa acumula queda de 11,8% em 2020.
Além das compras online terem se popularizado, outra tendência que tem ganhado força é o marketplace, que hoje é um dos grandes motores de crescimento dessas companhias. Por terem muita eficiência logística, as grandes varejistas conseguem, muitas vezes, vender os produtos de terceiros por um preço menor do que as próprias marcas. Recentemente, por exemplo, a B2W fechou parceria para integrar lojas de shoppings dos grupos Multiplan e Ancar Ivanhoe em seu marketplace. E a tendência, com os investimentos em logística que têm sido efetuados, é que isso se torne ainda mais a realidade, diz André Miceli, coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getulio Vargas. Ele acredita ainda que esse ambiente competitivo, trazido pelo crescimento do setor, deve fazer com que o e-commerce brasileiro evolua mais rapidamente.
Para Maurício Rahmani, analista de varejo da Reach Capital, a força do mercado é o principal incentivo para o crescimento e a concorrência.
A expectativa agora é que os principais players do varejo brasileiro tentem aumentar suas posições de diversas maneiras, tanto com a entrada em mercados novos quanto com a oferta de novos serviços, como publicidade online e serviços financeiros, e novas categorias de produtos, conforme mencionado pelas mesmas em suas divulgações de resultado.
Essa expansão pode se dar de maneira orgânica, mas também pode vir acompanhada de fusões e aquisições - e nesse quesito a atividade do setor tem sido movimentada.
Caixas bilionários
Na divulgação de resultados do segundo trimestre, chama atenção a posição de caixa dessas companhias. Em junho, a B2W anunciou, por meio da Americanas, sua controladora, um aumento de capital de R$ 4 bilhões que, nas palavras da empresa, irá permitir a execução de um plano de crescimento que inclui expansão orgânica, parcerias e eventuais aquisições estratégicas. Assim, em junho, a posição de caixa líquido da empresa era de R$ 4,4 bilhões.
A Via Varejo, por sua vez, encerrou o trimestre com caixa de R$ 7,4 bilhões, incluindo recebíveis de cartão de crédito não descontados. Isso veio depois da captação de recursos da oferta de ações de R$ 4,4 bilhões, que serão destinados, além da melhora da estrutura de capital e da eficiência de capital de giro, a investimentos em tecnologia e logística.
Já a Magazine Luiza terminou junho de 2020 com posição de caixa líquido de R$ 5,8 bilhões, após geração de caixa operacional de R$ 2,2 bilhões no trimestre, a maior da história da companhia. A ideia da empresa é investir em iniciativas para gerar mais valor ao cliente, com novas contratações, além de investimentos em novas categorias, no SuperApp e no Magalu Pay.
Para Thiago Macruz, analista do setor no Itaú, as companhias “foram muito espertas em aproveitar esse momento bom que têm gerado para levantar capital e fortalecer o balanço para se preparar para o que está por vir”. O analista aponta que capital é muito importante nesse segmento, para investir em áreas estratégicas. Rahmani concorda: “fusões e aquisições são tendência para aumentar a quantidade de serviços e categorias, e as companhias reforçaram seus caixas justamente para conseguir investir.”
Daniela Bretthauer, analista de varejo da Eleven, vê com mais cautela a posição de caixa e os potenciais investimentos das empresas. Para ela, os caixas divulgados no final do segundo trimestre, principalmente frutos de levantamento de capital, podem não refletir com precisão a realidade. Além disso, na opinião da analista, “o grau de incerteza trazido pela pandemia deverá fazer com que as companhias evitem investimentos na casa das centenas de milhão”.
M&A
Uma coisa, porém, parece ser consenso entre os analistas: ainda que grandes aquisições não devam estar no radar de curto prazo, pequenas aquisições estratégicas devem continuar a acontecer.
Na visão dos analistas, as aquisições serão sobretudo na área de tecnologia, com o objetivo de acelerar o processo de desenvolvimento das plataformas das grandes varejistas, e de empresas que possam trazer novas categorias de produtos.
Na perspectiva de Daniela, uma grande oportunidade para essas empresas está no setor de meios de pagamentos, transformando suas plataformas em SuperApps, com uma gama variada de serviços e recursos, com o objetivo de serem aplicativos acessados diariamente. Nesse sentido, no início do ano a Via Varejo adquiriu a fintech norte-americana banQi, e a Ame, plataforma de pagamento eletrônico da Lojas Americanas (SA:LAME4), já pode ser usada nos postos da BR Distribuidora (SA:BRDT3).
Rahmani também vê potencial de crescimento na área financeira, para competir com os bancos. Uma estratégia que tem sido adotada para isso, segundo ele, é o cashback, em que uma quantia inicial é depositada nas carteiras dos clientes dentro das plataformas para, assim, incentivar o uso. Para o analista, o nome do jogo agora é recorrência: e ele acredita que as empresas vão buscar conquistar isso por meio da criação dos SuperApps.
Na opinião de Macruz, o foco em recorrência está mais presente no plano de negócios da B2W, que tem investido em categorias de produtos de maior frequência, como supermercado e alimentação, enquanto a Magazine Luiza visa a maior digitalização do varejo. Recentemente, por exemplo, a Magazine Luiza adquiriu a startup Stoq, que oferece ferramentas de atendimento intuitivo para pequenos e médios varejistas, e a Hubsales, plataforma por meio da qual fabricantes oferecem seus produtos diretamente aos consumidores; enquanto a B2W investiu no Supermercado Now, especializada em venda online de mercado, e fez parceria para integrar as lanchonetes Bob’s e McDonald’s.
Miceli acredita que um diferencial para as companhias, que deve ser foco de investimento no curto prazo, são os investimentos em inteligência artificial para algoritmos que sugerem recomendações para os clientes, chatbots de atendimento. “Essas empresas devem continuar crescendo e amadurecendo seus e-commerces, migrando de plataformas, reescrevendo seus sites e evoluindo de maneira a se tornarem cada vez mais customer centrics”, completa.
Outra direção de crescimento para essas empresas, na perspectiva de Daniela, é a oferta de serviços para os lojistas, sejam financeiros, logísticos, de marketing etc. Nesse sentido atuam as aquisições recentes da Canaltech e da Inloco Media, com foco em publicidade online, pela Magazine Luiza.
Físico x Online
Para Macruz, ao analisar o cenário macro, é inevitável que o varejo online cresça em detrimento do físico. No entanto, isso não significa, de nenhuma maneira, o fim do varejo físico.
Um dos principais obstáculos para o crescimento do e-commerce, do ponto de vista de Miceli, será a logística, que continuará sendo um diferencial competitivo importante. No entanto, André ressalta que no Brasil há problemas logísticos que vão além do escopo das companhias, sobretudo de conexão e distribuição, como o leilão do 5G e a ineficiência dos correios.
Um ponto ressaltado pelos analistas consultados é que, dada a relevância dessas varejistas no meio físico, elas não podem focar seus investimentos apenas no digital. Pelo contrário: na visão de Daniela, a grande quantidade de lojas físicas pode sustentar a logística dos canais digitais, com a criação de minihubs de armazenamento, “click and collect”, entrega a partir da loja etc.
Rahmani defende que o e-commerce e o varejo físico estarão cada vez mais ligados por meio também da hiperlocalidade, em que a plataforma de marketplace das companhias conectam os pequenos comércios aos consumidores em sua região, facilitando a logística.