Inés Guzmán.
Caracas, 25 jun (EFE).- Comprar um carro é algo quase impossível na Venezuela, onde um automóvel usado é mais caro do que um novo, a produção cai entre acusações de falta de acesso a divisas e o governo tenta resolver o problema com uma lei que se mostrou polêmica mesmo antes de ser colocada em prática.
Os motivos podem ser, segundo trabalhadores da indústria, a baixa oferta e a alta demanda dos veículos, que fizeram com que o sonho de milhares de venezuelanos de comprar um se tornasse em um pesadelo do qual fazem parte uma longa procura em concessionárias, meses de espera e até ter que recorrer à "máfia".
A alta demanda é explicada, em parte, pela forte inflação, que no ano passado atingiu os 20,1%, e nesse ano já chegou a 19,4%. A compra de um automóvel se tornou, então, um investimento e uma forma dos venezuelanos preservarem as economias.
No entanto, em um país onde é possível encher o tanque de gasolina com menos de R$ 3, as vitrines das concessionárias estão vazias, em meio a uma escassez crônica de divisas, resultado de um rígido controle do câmbio - que os empresários culpam pela escassez do país.
Devido a esta situação, venezuelanos como Gabriela Argüello devem submeter-se a longas esperas para poder comprar um automóvel.
"Em janeiro fui a uma concessionária e quando fui me inscrever na lista de espera, havia 200 pessoas na minha frente. O motivo é que não há carros. Pensei em comprar um usado, mas é mais caro do que um novo", disse Gabriela à Agência Efe.
Outros optam por pagar uma "comissão" ao dono da concessionária para poder conseguir o carro em tempo recorde.
Um motorista de transportadora de 33 anos, que preferiu permanecer no anonimato, aceitou recentemente este "acordo", apesar de saber que é ilegal.
"Você vai à concessionária e te colocam em uma lista de espera de até dois anos por não haver veículos. Depois dizem que se você aceitar pagar um suborno ao dono, podem te dar o carro em um prazo de dez a quinze dias", contou à Efe, ressaltando que "é como uma máfia, dizem 'você me dá tanto e eu te dou o carro'".
O governo culpa a "especulação" dos concessionários por essa situação e está disposto a perseguir os donos das unidades de montagem e importadoras de veículos com uma lei que ainda espera a aprovação do Parlamento e que, além disso, prevê fixar os preços para os automóveis.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, falou do assunto na campanha para as últimas eleições presidenciais, quando prometeu acabar com o que chamou de "máfias dos veículos".
"Como podemos ter um Estado revolucionário se estão roubando nosso povo com a especulação dos veículos?", perguntou.
Para a indústria, este assunto simplesmente reflete a dualidade entre a oferta e a demanda.
"A demanda supera a oferta e quando há uma maior demanda que a oferta, inevitavelmente, o preço tende a subir. A demanda anual de veículos está estimada em mais de meio milhão e são oferecidos apenas entre 80 mil e 100 mil", disse o vice-presidente da Câmara Nacional de Comércio de Autopeças, José Cirinella, à Efe.
Cirinella ainda completou afirmando que as unidades de montagem locais têm como objetivo para este ano a produção de 120 mil veículos, mas que não crê que o objetivo "vá ser cumprido pelos problemas para acessar divisas", em um país onde o Estado monopoliza o acesso à moeda estrangeira desde 2003.
De acordo com números da câmara Automotiva da Venezuela (Cavenez), nos primeiros cinco meses do ano foram produzidos na Venezuela 31.153 veículos, 34,3% menos do que no mesmo período do ano passado.
Cirinella alertou que o projeto impulsionado no Parlamento pela maioria chavista para controlar os preços dos veículos poderia dar lugar a um "mercado negro".
Para o presidente-executivo de Cavenez, Enrique González, a solução passa "fundamentalmente" por aumentar a oferta e a montagem.
"Temos uma capacidade produtiva de 254 mil veículos por ano. É possível no curto e médio prazo expandir a produção", declarou González à Efe, lembrando que em 2006 a Venezuela chegou inclusive a exportar 22 mil carros.
Esta combinação de uma forte demanda com uma baixa oferta impulsiona ainda os preços dos automóveis.
Um Chevrolet Aveo do ano de 2008 está à venda na Venezuela por 225 mil bolívares (cerca de R$ 80 mil), enquanto em outros países da região como o Chile é possível conseguir o mesmo modelo por R$ 20 mil.
O governo criou neste mês um site onde os venezuelanos podem se registrar "para a aquisição de veículos a preços justos eliminando intermediários".
No primeiro dia de funcionamento da página, mais de 19 mil pessoas se registraram e o site acabou saindo do ar. EFE
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