SÃO PAULO (Reuters) - A indústria siderúrgica se juntou nesta sexta-feira a um coro de outros setores da sociedade insatisfeitos com as medidas de contenção da epidemia de coronavírus adotadas no país, que paralisaram uma série de atividades econômicas, incluindo os maiores consumidores de aço no país.
"O que estamos dizendo é que a gente precisa começar a trabalhar o retorno gradual, sob protocolos de segurança, das atividades da economia. A roda tem que voltar a girar", disse o presidente do Instituto Aço Brasil (IABr), Marco Polo de Mello Lopes, durante entrevista coletiva online a jornalistas.
A coletiva foi convocada em um dia em que diversas regiões do país vivenciaram protestos contidos de apoiadores à posição do presidente Jair Bolsonaro de não respeitar a quarentena recomendada por especialistas de saúde de todo o mundo. A medida é considerada como mecanismo mais eficaz à disposição no momento para se evitar colapsos nos sistemas de saúde devido a possíveis explosões nos casos de Covid-19.
Além da defesa do IABr a um "retorno gradual" das atividades da economia, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) endossou o "isolamento vertical" apoiado por Bolsonaro, focado apenas nas pessoas do grupo atualmente visto como mais suscetível ao novo coronavírus, que inclui idosos, segundo comunicado enviado à imprensa.
Apesar da maioria das medidas de restrição à circulação de pessoas ter sido tomada por autoridades estaduais e municipais há cerca de duas semanas, o setor siderúrgico usa expressões como "crise de proporção inimaginável" para descrever a situação.
Durante a coletiva, Lopes afirmou que o setor trabalha com perspectiva de quedas de cerca de 50% no consumo de aço em abril ante março e de 40% no segundo trimestre ante os três primeiros meses do ano. Para o ano, o cenário aponta para queda de 20% no consumo, disse o presidente do IABr, que participou de reunião mais cedo com dirigentes de siderúrgicas do país. A entidade é formada por empresas como Usiminas (SA:USIM5), Gerdau (SA:GGBR4), ArcelorMittal, Ternium e Vallourec.
"Precisamos continuar (a trabalhar) para a retomada das atividades da economia, seguindo um protocolo de procedimentos que assegure a segurança das pessoas....Isso precisa ser iniciado sob pena de nós termos um problema maior", disse Lopes se referindo a desemprego. O posicionamento é semelhante ao transmitido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mais cedo pela internet e que ecoa a campanha "O Brasil Não Pode Parar", lançada nesta semana pelo governo de Bolsonaro e que custou aos cofres públicos quase 5 milhões de reais.
Mais cedo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou que o número de mortos por Covid-19 atingiu a casa dos 20 mil enquanto os casos confirmados superaram mais de meio milhão. No Brasil, a contagem de mortos pela doença subiu quase 20% nesta sexta-feira ante a véspera, para 92, enquanto os casos confirmados avançaram 17%, para 3.417.
REINTEGRA
Questionado sobre o motivo da previsão alarmista para o mercado de aço divulgada nesta sexta-feira e se as empresas do setor siderúrgico não têm capacidade para enfrentar o período de quarentena de algumas semanas recomendado pela OMS, o presidente-executivo do IABr afirmou que a situação era de normalidade até cerca de semana atrás.
"O que aconteceu depois veio muito rapidamente. Em dois, três, quatro dias começou a haver cancelamento de pedidos. Isso veio numa reação em cadeia muito rápida, as empresas têm que ter preocupação com caixa", disse Lopes. "A área da saúde está sendo tratada com prioridade absoluta. O vírus vai ter seu ciclo...Isso está cuidado, tem prioridade...o que não está sendo olhado é a crise da demanda", acrescentou.
O executivo afirmou que o IABr, que integra a chamada Coalizão Indústria, formada por vários setores incluindo automotivo, máquinas e equipamentos e construção civil, apresentou ao governo um conjunto de medidas para apoiar a retomada da economia e afirmou que entre os pedidos está um antigo: a elevação da alíquota do Reintegra.
O mecanismo, criado para compensar exportadores sobre os impostos que incidem na cadeia produtiva, teve alíquota reduzida durante o governo de Michel Temer para 0,1%, como consequência do impacto da greve dos caminhoneiros em 2018, e a defesa do IABr é uma elevação desse percentual para 5%.
Segundo Lopes, com a alíquota do Reintegra em 5%, o setor consegue melhorar seu preço de exportação em 7%, ganhando competitividade. O pleito já havia sido feito há cerca de dois meses pelo setor junto a representantes do governo federal. Na época, o IABr calculava que se a alíquota fosse elevada as siderúrgicas poderiam aumentar suas exportações em 20%.
Lopes não deu detalhes sobre as outras ações propostas ao governo para o enfrentamento da crise do Covid-19, mas comentou que o setor como um todo está "estudando medidas de redução e eventualmente até de abafamento de (alto) fornos", uma das ações mais drásticas que uma siderúrgica pode tomar para enfrentar ocasiões de quedas abruptas de demanda.
(Por Alberto Alerigi Jr.)