Em meio ao caos do coronavírus, que derrubou a demanda por passagens aéreas no mundo e colocou as fabricantes de aviões em compasso de espera, a brasileira Embraer (SA:EMBR3) enfrentou um problema adicional: o fim do acordo de venda de sua operação comercial para a Boeing. Sozinha no mercado depois de ver um contrato costurado dois anos atrás ser desfeito, a empresa teve de aumentar reservas para calotes por causa da crise das companhias aéreas, registrando prejuízo bilionário no segundo trimestre.
A fabricante brasileira reportou um prejuízo líquido de R$ 1,68 bilhão entre abril e junho, revertendo o lucro líquido de R$ 26,1 milhões do mesmo período do ano passado. O presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, disse que a empresa está se adaptando à nova realidade, buscando a reduções de custo e revisando seu plano estratégico até 2025. Isso incluiu o adiamento da entrada em operação do jato E175-E2 para 2023. Ontem, o mercado reagiu bem ao balanço: a principal ação da empresa subiu 2,57%, para R$ 7,66.
Os esforços de economia já resultaram em economias calculadas em US$ 850 milhões - mas, ainda assim, restam muitos problemas. Apenas os custos com a segregação do negócio com a Boeing, que foi encerrado em abril pela norte-americana, tinham custado R$ 500 milhões à Embraer. Só no segundo trimestre, o gasto com a separação frustrada foi de R$ 118,9 milhões. A empresa briga para conseguir esses valores de volta em uma arbitragem. No meio do turbilhão, a Embraer entregou quatro aeronaves comerciais no segundo trimestre, ante 26 um ano antes.
A covid-19 tem feito a Embraer reservar uma fatia significativa dos seus recursos para se proteger de devedores duvidoso. No primeiro semestre, a provisão adicional da fabricante foi de R$ 246,8 milhões. "Temos sido bem mais cautelosos e aumentamos muito os níveis de provisão. Isso está relacionado com a piora de rating de crédito de todas as companhias, inclusive algumas entrando em Chapter 11 (lei de recuperação judicial nos Estados Unidos)", explicou o vice-presidente e diretor financeiro da Embraer, Antonio Carlos Garcia.
Luz no fim do túnel
Os executivos reconheceram o cenário difícil, mas veem alguns sinais positivos. "Estamos cautelosamente otimistas com o futuro, pois já vemos alguma recuperação nos voos domésticos ao redor do mundo", disse Garcia. Para o executivo, o melhor momento do ano virá no quarto trimestre, quando o grupo pretende parar de queimar caixa.
Os voos domésticos têm reagido muito mais rápido à crise do que o segmento internacional, sobretudo diante das restrições de mobilidade na quarentena. A estimativa da Iata (agência internacional de transporte aéreo) é que a demanda global de transporte aéreo de passageiros só voltará aos níveis de 2019 apenas em 2024.
O cenário do mercado doméstico é menos dramático, com muitas aéreas ampliando as decolagens. No Brasil, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a demanda por voos domésticos teve queda de 85% em junho, em relação ao mesmo período em 2019. Mas já foi pior: em abril, a retração chegava a 93%.
A Embraer tem conseguido ocupar espaço com seus aviões, que são menores do que os modelos de Boeing e Airbus. A KLM, por exemplo, usava 80% dos seus E-Jets no fim de abril de 2020, contra 14% das aeronaves Boeing 737-NG. Em junho, o porcentual de uso do modelo da Embraer foi a 98%, contra 29% do 737. Na Japan Airlines, o uso dos E-Jets foi de 100% em junho, contra 81% do rival. Os números foram divulgados em evento recente da Embraer.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.