Money Times - O livro “Na Raça“, que revela os bastidores da trajetória da XP Investimentos (XP), acaba de ser lançado mas já é um dos registros históricos mais bem feitos sobre o desenvolvimento do mercado financeiro brasileiro.
Escrito pela premiada jornalista Maria Luíza Filgueiras, a obra traz detalhes de momentos decisivos para a corretora e que são descritos com passagens que envolvem outras figuras conhecidas, sem censuras.
Em um trecho enviado com exclusividade ao Money Times, que se passa em 2012, conta a busca dos sócios pela abertura de capital ou venda de mais um pedaço da empresa.
“Um executivo da gestora Sequoia Capital, do {{0|Vale do}} Silício, entrou em contato com Julio [Capua]. Era David Vélez, um jovem colombiano que buscava oportunidades de negócio para o fundo no Brasil (pouco depois, ele fundaria uma fintech brasileira, o banco digital Nubank)”, relata o livro.
O empresário, então, organizou uma reunião com um dos principais executivos da Sequoia, Douglas Leone. A avaliação até parecia interessante, cerca de R$ 800 milhões. Mas tudo mudou.
“Com o passar das semanas, a gestora americana baixou sua oferta em 20%. Para a Sequoia, a XP ainda era um negócio imaturo, e o foco da gestora eram empresas ligadas ao mundo da tecnologia”.
A XP, hoje em dia, pode ser avaliada em cerca de US$ 12 bilhões. A Sequoia é uma das investidoras do Nubank, de Vélez.
O lançamento do livro será realizado no próximo dia 2 de dezembro, às 19h, no Cubo JK Iguatemi (SA:IGTA3), em São Paulo.
Veja, abaixo, o trecho das páginas 155 a 159:
“Copiar a Schwab tinha sido a decisão certa na hora certa.
Aquele novo panorama instigou Guilherme e Marcelo a tentar, a sério, uma abertura de capital ou a venda de mais um pedaço da XP para um fundo. Dessa vez, não apenas para levar capital para a empresa, como no caso da entrada da Actis — mas também para que os próprios fundadores embolsassem um dinheiro que não tinham visto até então. Além disso, os dois achavam que a entrada do fundo britânico fora fundamental para que o novo modelo de negócios desse certo, visto que um sócio estrangeiro passava um nível de credibilidade que os garotos não tinham. Um IPO poderia representar uma nova chancela, a do mercado acionário, o que, por sua vez, arrebanharia mais clientes e faria a XP lucrar mais.
Quem sabe naquele ritmo de crescimento a XP poderia valer 1 bilhão de reais?
Os flertes anteriores com um IPO tinham sido uma decepção. No final de 2011, a XP foi convidada para um evento, promovido pelo banco Itaú em Nova York, em que empresas com potencial para abertura de capital eram apresentadas a investidores. Guilherme, Julio, Maisonnave e Loyola tiveram uma conversa com um representante do bilionário investidor húngaro-americano George Soros. Ao ouvir a apresentação da história da XP, ele vaticinou que já tinha visto mil apresentações parecidas com aquela, em que as projeções maravilhosas não se concretizavam. Tamanho crescimento no Brasil de Dilma? Impossível.
Nos meses seguintes, à medida que os resultados iam melhorando e o lucro crescendo, as conversas sobre uma nova venda de participação voltaram. Um executivo da gestora Sequoia Capital, do Vale do Silício, entrou em contato com Julio. Era David Vélez, um jovem colombiano que buscava oportunidades de negócio para o fundo no Brasil (pouco depois, ele fundaria uma fintech brasileira, o banco digital Nubank). Vélez organizou uma reunião dos sócios da XP com um dos principais executivos da Sequoia, Douglas Leone. Segundo ele, a XP poderia valer 800 milhões de reais.
Mas, com o passar das semanas, a gestora americana baixou sua oferta em 20%. Para a Sequoia, a XP ainda era um negócio imaturo, e o foco da gestora eram empresas ligadas ao mundo da tecnologia. Uma tentativa paralela de negociação foi aberta com a Vinci Partners, gestora brasileira de private equity que havia criado uma empresa de investimentos de varejo, a Apogeo. A conversa não avançou.
Guilherme havia deixado as tratativas potenciais de venda de participação da XP nas mãos de Julio e Maisonnave. Mas foi ele quem recebeu o e-mail de um boliviano chamado Martin Escobari, sócio da empresa americana de private equity General Atlantic, a GA. Escobari tinha sido um dos fundadores do site Submarino.com. Ao concluir o MBA na Harvard Business School, ganhou o título de Baker Scholar, reservado para os 5% melhores de seu ano. O boliviano deixara a gestora Advent depois de operações de sucesso no mercado financeiro brasileiro, e sua missão na GA era encontrar um bom negócio no segmento para montar seu portfólio. No e-mail, ele pedia uma reunião com Guilherme.
— Julio, atende esse paraguaio pra mim, vê o que ele quer. Não quero perder tempo com isso — disse Guilherme.
A avaliação de Escobari era que o fenômeno da desbancarização no Brasil estava apenas começando. Ele acompanhava as opções de investimento feitas pela esposa na hora de preencher a declaração de imposto de renda, e ela era a típica investidora de bancão: tinha títulos de capitalização, fundos que só investiam em ações da Petrobras (SA:PETR4) e cobravam caro para isso, e por aí vai. Para ele, aquilo podia até não acabar tão cedo, mas a tendência era que plataformas como a XP roubassem cada vez mais clientes dos grandes bancos. Era inevitável. E a XP, com os resultados daqueles dois anos, já era o maior shopping financeiro do país.
Escobari achava, porém, que a XP não estava pronta para o IPO. Faltava ganhar escala, ajustar a estratégia e mudar a equipe para, alguns anos depois, levar uma companhia mais azeitada ao mercado. Ele propôs, então, que a GA substituísse o possível IPO da XP, avaliando a empresa em mais de 1 bilhão de reais. O lucro projetado para 2012 (inferior a 40 milhões de reais) não justificaria aquele valor — mantido o múltiplo da transação da Actis, a XP valeria, no fim de 2012, cerca de 800 milhões de reais. Mas Guilherme garantia que o lucro cresceria para 70 milhões de reais em 2013. Escobari queria tanto embarcar naquela canoa que topou fazer uma proposta que avaliasse a XP no patamar de 1,2 bilhão de reais. Em troca, colocaria no contrato que a XP estava obrigada a atingir aquelas projeções de lucro ou os vendedores não receberiam parte do pagamento, correspondente a 10% do total. A GA compraria parte das ações dos executivos da XP, da fatia da Actis, e faria um aporte no caixa.
Mas as ambições da Actis acerca do preço justo para a XP eram ainda mais largas. Com um fundo gigantesco do outro lado da mesa, Chu Kong batia pé e dizia que, se a avaliação da XP fosse inferior a 1,5 bilhão de reais, vetaria a transação — ou seja, o triplo do valor de dois anos antes. Também rechaçava aquela proposta de condicionamento de preço ao resultado, queria um valor fixo.
Os sócios da XP estavam incomodados com essas imposições. No entanto, como o gestor de Soros já tinha percebido, os números dos últimos dois meses estavam piores e, para a XP, era arriscado demais arrastar essa negociação — se os resultados não melhorassem, o preço iria ladeira abaixo ao final das conversações. Para fazer a coisa andar, e como confiavam no tal lucrão de 2013, os sócios toparam o tratamento desigual. Os executivos da XP ficavam com a parte variável da negociação, enquanto a Actis levava um valor fixo de cara e a GA aceitava melhorar um pouco o preço — numa avaliação entre a sua proposta inicial e o valor pedido pela Actis.
A venda para a GA era mais complexa do que para o negócio com a Actis. Até então o Banco Central não tinha aprovado a operação do fundo britânico, embora o decreto presidencial que dava o sinal verde para o negócio tivesse saído meses antes. Para os advogados e sócios, já que ainda havia o processo de aprovação em andamento no Banco Central, o ideal seria anexar a transação da GA no mesmo documento, para que fossem avaliadas conjuntamente. Chu, que não queria colocar em risco a aprovação de uma operação sua, não deixou a ideia prosperar.
A GA também não podia comprar ações, então houve uma reformulação societária da XP para que fossem emitidas novas debêntures das controladas não financeiras e um bônus de subscrição da holding controladora, que era parte do dinheiro que os sócios colocariam no bolso. Além disso, a GA compraria parte das debêntures detidas pela Actis.
Em dezembro de 2012, a XP finalmente fechou a venda de 31% para a GA por 420 milhões de reais. A transação avaliava a XP em 1,23 bilhão de reais, mas, como haveria uma injeção de 150 milhões de reais no capital da XP, o valor da empresa (conhecido como valor post-money, ou depois do investimento) passaria para 1,38 bilhão de reais. Da fatia de 31%, 10% foram vendidos pela Actis e 21% pela XP. A participação dos sócios executivos caía de 79,5% para 58,9% da empresa. A Dynamo, de Pedro Damasceno, acompanhava a companhia desde os primórdios e finalmente comprou uma participação em coinvestimento com a GA. Entre os investidores do fundo Dynamo, estava Carlos Alberto Sicupira, um dos fundadores da 3G Capital, sócio de Lemann.
Na operação, a Actis embolsou tudo o que tinha investido dois anos antes e ainda manteve metade da participação original. O aporte da GA no caixa se deu por diluição dos sócios com emissão de novas ações e uma parcela da venda de participação dos executivos principais. Outros sócios aproveitaram a operação para comprar um pouco mais de ações, como Carlão, da mesa institucional, e Fabrício, que tinha trocado o escritório BMA pelo departamento jurídico da XP.
A venda para a General Atlantic foi o prenúncio de um período de mudanças drásticas na sociedade. O ano de 2013 seria duro, já que eles teriam de dar o sangue para atingir a meta de 70 milhões de reais de lucro. O senso de urgência seria a oportunidade para que Guilherme aprofundasse as mudanças que já estava começando a fazer no perfil da XP. A cúpula da empresa era basicamente a mesma desde os primórdios. Gente que tinha ajudado a construir aquela história, mas, que, para ele, não atendia às necessidades da empresa bilionária em que a XP havia se transformado.
O clube de amigos precisaria acabar.”