Por Leandro Manzoni
Investing.com - O Ibovespa reverteu a alta acima de 1% do início da sessão, influenciada pelo apetite ao risco no exterior, e passa a ter uma forte queda após o governo anunciar o novo programa de transferência de renda com financiamento controverso. O Renda Cidadã, programa a ser criado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro em substituição ao Bolsa Família, será custeado com a verba do próprio Bolsa Família, com a sobra de recursos após o pagamento de precatórios e ainda com uma pequena fatia da verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), afirmou o senador Marcio Bittar (MDB-AC).
Na entrevista coletiva na porta do Palácio da Alvorada, com a presença de Bolsonaro, ministros e líderes, Bittar disse que houve um "consenso" e o presidente deu sinal verde para fechar a proposta do Renda Cidadã.
"Ter como uma das fontes de financiamento do Renda Cidadã a rolagem dos pagamentos de precatórios é uma questão controversa juridicamente", avalia os analistas políticos da XP Investimentos em nota enviada a clientes. "A mudança do texto constitucional é possível via PEC, mas pode haver resistência do Supremo apoiada nos princípios de validade das determinações judiciais e insegurança jurídica", continuam.
Diante desse quadro, os investidores aumentam o prêmio de risco fiscal, pois o uso de recursos para financiar o pagamento de precatórios contorna a regra do teto de gastos - uma super-âncora fiscal que visa limitar o aumento dos gastos públicos e potencializa a redução da taxa básica de juros -, ou seja, é uma forma de elevar os gastos por fora da regra fiscal.
Com isso, por volta das 14h35, o Ibovespa recuava 2,37% a 94.701 pontos, próximo à mínima do dia de 94.370 pontos após subir mais de 1% na abertura e chegar a acima de 98 mil pontos no melhor momento do dia, assim se descolando do otimismo do exterior. O risco fiscal contamina o preço do dólar em real, com a cotação subindo 1,88% a R$ 5,6644. A moeda americana abriu em baixa e chegou a mínima de R$ 5,5135 no melhor momento do dia.
Apesar do desempenho negativo, papéis de bancos evitavam uma queda ainda maior do índice. Units do Santander (SA:SANB11) subiam cerca de 3%, enquanto ações do Bradesco (SA:BBDC4) ganhavam 0,5% e do Banco do Brasil (SA:BBAS3) subiam 0,9%.
Em Nova York, os três principais índices de Wall Street operavam com alta acima de 1%. S&P 500 avançava 1,72%, Dow Jones subia 1,9% e Nasdaq tinha alta de 1,55%.
Renda Cidadã no Congresso
A proposta será incluída na chamada PEC Emergencial, em tramitação no Senado, disse Bittar, que é relator dessa matéria. Não se falou qual o valor do novo programa de transferência de renda.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que o Renda Cidadã será apresentado respeitando o teto de gastos públicos e tem por objetivo atender aos milhões que, a partir de janeiro, ficarão sem receber o auxílio emergencial pago durante a pandemia do novo coronavírus.
Contudo, não houve por ora consenso sobre a segunda etapa da reforma tributária, que foi outro tema debatido no encontro que segue durante almoço no Palácio da Alvorada.
Financiamento sempre foi polêmico
A necessária elevação dos gastos públicos para diminuir os efeitos negativos da crise do coronavírus sempre foi vista com preocupação pelos investidores, especialmente se os gastos se tornarem permanentes, ainda mais com a elevação da avaliação ótima/boa do governo Bolsonaro chegar a 40% de acordo com a última pesquisa Ibope diante da boa receptividade do auxílio emergencial pela população. Nesta segunda, por exemplo, o próprio governo elevou a projeção do déficit nominal de 17% para 17,2% do PIB, com perspectiva de um rombo de R$ 871 bilhões para o governo central (12,1% do PIB) e de 895,8 bilhões de reais para o setor público. consolidado (12,5% do PIB).
Além disso, a estimativa da dívida bruta é de que chegue a 93,9% do PIB em 2020 (94,6% da projeção anterior), e que a dívida líquida vá a 67,8% do PIB (67,9% na estimativa anterior), considerando uma retração de 4,7% do PIB.
Mesmo assim, diante do sucesso da alta popularidade, é um desejo do governo Bolsonaro a manutenção de um auxílio com valores semelhante ao atualmente pago pelo auxílio emergencial - inicialmente em R$ 600 mensais e agora em R$ 300 até dezembro. A controversa sempre foi o financiamento e como não afetar a âncora fiscal da lei do teto de gastos.
Na semana do dia 14, o presidente havia se manifestado ser contrário ao remanejamento de gastos sociais e congelamento no reajuste futuro de aposentadorias para garantir receita para o seu então novo programa de transferência de renda, o Renda Brasil, indo de encontro aos estudos da equipe econômico. A opinião de Bolsonaro havia levado à suspensão temporária de criação do novo benefício e garantindo a continuidade do Bolsa Família.
"Até 2022, está proibido falar em Renda Brasil no meu governo, vamos continuar com Bolsa Família", afirmou Bolsonaro em 15 de setembro. "Congelar aposentadorias, cortar auxílio para idosos e pobres com deficiência, um devaneio de alguém que está desconectado com a realidade", escreveu o presidente em postagem no Twitter no dia.
Bolsonaro se referia à possibilidade de corte de gastos com Benefício de Prestação Continuada (BPC), com revisão das regras que beneficiam com um salário mínimo atualmente quase 2 milhões de idosos e pessoas carentes com deficiência. Além disso, o congelamento nos próximos dois anos do reajuste inflacionário do ano anterior do valor das aposentadorias também tinha sido tema do noticiário econômico naqueles dias .
Os cortes e suspensão dos gastos futuros com previdência garantiriam os recursos para financiar o Renda Brasil.
"Como já disse, jamais tiraria dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos", havia continuado Bolsonaro, relembrando que já tinha desautorizado anteriormente estudos para extinguir o abono salarial e o seguro-defeso para garantir o dinheiro do seu programa de transferência de renda, que visava turbinar o Bolsa Família.
(Com Reuters)