Por Ana Mano
SÃO PAULO (Reuters) - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) conferiu a si a prerrogativa de decidir sobre o plantio de cannabis no Brasil, abrindo a possibilidade para o cultivo legal da planta com fins medicinais e industriais depois que o assunto ficou por anos parado no Congresso.
Por meio do voto da ministra Regina Helena Costa, o STJ lançou mão de um instrumento jurídico conhecido como “incidente de assunção de competência.” No caso concreto, significa que a corte assume a responsabilidade por dar a palavra final sobre a legitimidade da importação de sementes e do cultivo de cannabis no país.
Segundo advogados que acompanham o caso, todos os processos relacionados ao plantio de cannabis no Brasil ficarão paralisados até o julgamento final de mérito pelo STJ. O que a corte decidir será vinculante para todos os casos que tramitam no Brasil, disseram eles.
O voto da ministra foi tornado público em 14 de março, conforme publicação no site do STJ.
O Brasil permite a venda e a produção de produtos à base de cannabis, mas as empresas são obrigadas a importar os princípios ativos usados nas fomulações.
Uma decisão final de mérito, que pode ser anunciada pelo STJ dentro de um ano, seria pioneira por cuidar de um tema há tempos travado pelo conservadorismo do Congresso. O caso lembra o debate sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, que só avançou em 2011 após o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigar os cartórios a registrar uniões homoafetivas no país.
O Brasil proíbe o cultivo de cannabis, mas pesquisadores e empresas de cannabis argumentam que o clima tropical poderia ser o ideal para o cultivo da planta, tornando o país um dos principais fornecedores mundiais.
Os entusiastas do plantio dizem ainda que cultivar a cannabis no Brasil poderia reduzir o custo final de medicamentos feitos à base da planta, diminuindo a dependência dos consumidores em relação aos produtos importados, que são caros.
“O Legislativo tem um pouco de receio de decidir este tema, pois é um tema polêmico,” disse Arthur Arsuffi, advogado da start-up DNA Soluções em Biotecnologia, que é parte na ação perante o STJ. “Então, ele acaba postergando e, tendo em vista as ações judiciais, o Poder Judiciário acaba tendo que decidir a questão.”
A DNA entrou com uma ação reivindicando o direito de importar sementes e plantar cannabis com níveis mais altos de canabinóides como canabidiol (CBD (BVMF:PCAR3)), e menores concentrações de tetrahidrocanabinol (THC), um componente psicoativo da planta.
O cânhamo, que tem menos de 0,3% de THC e muito mais CBD, fornece componentes usados no tratamento de problemas de saúde, como a epilepsia infantil.
José Bacellar, presidente-executivo da empresa farmacêutica VerdeMed, disse que os tribunais podem influenciar mudanças nas políticas relacionada à cannabis no Brasil, como fizeram no Canadá.
No entanto, Bacellar pondera que haveria riscos associados à decisão do STJ sobre um assunto tão complexo. Ele afirmou ainda que o tema talvez fosse melhor resolvido por meio do Projeto de Lei 399/15, que trata da regulamentação do cultivo de cannabis no Brasil.
Victor Miranda, que é advogado e professor de direito, disse que a decisão do STJ de admitir o incidente de assunção de competência foi técnica e coerente no que diz respeito ao estabelecimento de precedentes vinculantes no Brasil.
“Difícil especular o resultado do julgamento,” disse ele. “Mas a mensagem... que foi expedida pela ministra Regina Helena Costa é um spoiler de que o STJ está preocupado com este tipo de questão.”