Por Hanna Rantala
LONDRES (Reuters) - Simplesmente contar a história de "The Nickel Boys", sobre dois jovens negros enviados a um reformatório abusivo na Flórida nos anos 60 e que encontram consolo em sua amizade, não teria sido suficiente.
O cineasta RaMell Ross queria que o público experimentasse a sensação de viver dentro dos personagens que ele sentiu ao ler o romance de Colson Whitehead, vencedor do Prêmio Pulitzer, contado em primeira pessoa.
O resultado é uma obra filmada quase inteiramente pelo ponto de vista de seus protagonistas. Os espectadores veem o mundo diretamente pelos olhos de um dos garotos, Elwood, ou, ocasionalmente, do outro, Turner.
"A abordagem em primeira pessoa foi a primeira coisa que me veio à mente. Pareceu-me bastante natural", disse Ross, que co-escreveu o roteiro do filme, à Reuters.
"Como Colson Whitehead disse, ele escreveu o livro em que ele era Turner e ele era Elwood e a conversa era entre eles. Acho que muitos negros podem ver seus filhos como um desses dois", disse Ross.
É uma experiência cinematográfica que pode ser perturbadora ou surpreendente, quando detalhes aparentemente mundanos se tornam intensamente vívidos, como quando Elwood se abaixa para pegar um centavo na rua ou olha para um ventilador zumbindo no alto. Por vezes os espectadores têm um vislumbre do menino cuja vida estão compartilhando, refletido em uma vitrine de loja ou no metal de um ferro.
Os atores muitas vezes tinham equipamentos de câmera presos ao corpo ou estavam posicionados entre os membros da equipe de filmagem. O público acaba confinado dentro da cabeça dos personagens, assim como os meninos estão confinados no Nickel, o reformatório.
"Exploramos a ideia de que havia muita restrição física e acho que, de forma muito inconsciente, isso alimentaria o sentimento que esses dois meninos estão experimentando de estarem presos nesse mundo do Nickel e serem sufocados", disse Brandon Wilson, que interpreta Turner.
O jornal The Guardian, que chamou o filme de "transcendentalmente comovente e assustador", disse que a técnica de primeira pessoa "produz uma subjetividade sonhadora ou inquieta quase como um subproduto".
Ross construiu as imagens vívidas do filme a partir de seu próprio passado: "São todas as minhas lembranças, quase todas as imagens são criadas ou reconfiguradas a partir de coisas que vi na rua ou apenas da minha imaginação", disse o diretor.
"Nickel Boys" marca a estreia em longa-metragem de Ross, 42 anos, cujo documentário "Hale County This Morning, This Evening", de 2018, foi indicado ao Oscar. O filme também passou a ser especulado para premiações desde seu lançamento em festivais de cinema de outono.
"Ainda estou impressionado com o fato de o filme ter sido tão bem recebido", disse Ross. "Estou muito animado para que todos que participaram do filme recebam sua parcela justa de elogios. É um projeto tão grande e muitas pessoas se dedicaram a praticamente tudo."