Por Brad Haynes e Anthony Boadle
SÃO PAULO/BRASÍLIA (Reuters) - A Nike e outras grandes companhias internacionais estarão na mira de uma investigação sobre o papel influente que exercem no futebol brasileiro, como parte dos esforços do ex-jogador e atual senador Romário (PSB-RJ) de expor o que descreve como contratos de marketing suspeitos e ligações a pagamentos corruptos.
Romário, que comandou o Brasil na conquista da Copa do Mundo de 1994 usando chuteiras da gigante norte-americana de material esportivo, está à frente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre acordos de patrocínio no futebol, após as acusações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos que abalaram o mundo do futebol.
Três brasileiros estão entre os acusados no indiciamento norte-americano, incluindo o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin.
Romário e procuradores brasileiros não acusaram a Nike de ter feito qualquer coisa ilegal, apesar de o acordo de 160 milhões de dólares da companhia firmado em 1996 para patrocinar a seleção brasileira estar ligado a supostas propinas, de acordo com a acusação dos Estados Unidos divulgada na semana passada.
A Nike não está entre os acusados, mas só há uma companhia que se encaixa com a descrição dos procuradores norte-americanos. Em nota na última semana, a Nike informou que as acusações não alegam que a empresa participou de condutas criminais ou que seus empregados estavam envolvidos ou conscientes de subornos.
Romário, principal voz no país em defesa de reformas no futebol, cuja fama em campo impulsiona sua influência, diz que deseja investigar tal acordo de patrocínio para averiguar se o contrato foi usado para desviar dinheiro para dirigentes e exercer influências indevidas no esporte.
A CPI, que deverá ser instalada na próxima semana, terá o poder de intimar testemunhas e obter registros bancários e contratos privados, mas não poderá emitir mandados de busca ou apreensão.
Entre as companhias cujos acordos de patrocínio com a seleção brasileira nos últimos anos devem ser analisados estão a TAM, parte da Latam Airlines, e a Ambev, atualmente subsidiária da Anheuser-Busch InBev.
"Estas empresas serão a frente e o centro na investigação... Elas não conseguirão ficar em silêncio", disse Fernando Ferreira, presidente da empresa de marketing esportivo Pluri.
"As pessoas estão de saco cheio e querem saber o que os patrocinadores estão fazendo com o poder de seus talões de cheques para exigirem mudanças no esporte", acrescentou.
Patrocinadores hesitam em abordar publicamente suas preocupações com a corrupção, enfatizando o apoio à seleção brasileira e não à CBF. O uso de intermediários é comum na assinatura de contratos no Brasil e patrocinadores podem não ter qualquer conhecimento direto de fraudes.
Investigações anteriores revelaram acordos para direitos de transmissões e de marketing que envolvem empresas intermediárias repassando dinheiro de patrocínio para associados próximos ou dirigentes da CBF, abrindo a porta para propinas e subornos.
Romário se encontrou na segunda-feira com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e disse que o Ministério Público estava cooperando com a investigação. A Polícia Federal abriu investigação contra ex-autoridades da CBF por lavagem de dinheiro e evasão fiscal, mas procuradores federais não confirmaram acusações formais.
"MOMENTO BEM DIFERENTE"
O inquérito norte-americano informou que o acordo de 1996 da "Companhia Esportiva A" -aparentemente a Nike- aceitou pagar 40 milhões de dólares em "honorários de marketing" que não estavam em seu contrato inicial com a CBF para a conta de uma afiliada da empresa brasileira de marketing esportivo Traffic em uma conta bancária na Suíça.
José Hawilla, o fundador da Traffic que foi nomeado no inquérito como condenado por suborno, aceitou dividir metade de tudo que recebeu pelo acordo com um membro sênior não identificado da CBF, de acordo com o Departamento de Justiça norte-americano. Isto equivalia a "milhões de dólares, como suborno e propina", de acordo com a acusação.
A nova CPI do Senado repete um inquérito do Congresso de 15 anos atrás. Aquela investigação foi consumida por lutas políticas internas e não resultou em acusações formais, mas trouxe à luz aspectos secretos do acordo da Nike, como o direito de organizar cinco partidas amistosos para a seleção por ano, escolhendo oponentes e jogadores incluídos nos chamados "jogos da Nike".
A nova investigação liderada por Romário rapidamente ganhou o apoio de colegas senadores e do governo da presidente Dilma Rousseff. Ele diz que os brasileiros não irão tolerar a mesma impunidade que ocorreu depois da última investigação.
"Considero o momento bem diferente, os cartolas estão enfraquecidos. O mundo inteiro está de olho nisso, não é só uma questão de futebol do Brasil", disse Romário à Reuters por e-mail.
"Não podemos permitir que o futebol continue sendo uma camuflagem para tantos crimes. Mas o que posso te afirmar, com certeza, é que eu farei o possível para levar bandidos para a cadeia", acrescentou.
Os investigadores dos acordos dos anos 1990 disseram que as práticas empresariais sobre o esporte mudaram pouco desde então.
"A dimensão do futebol aumentou muito de 14 anos para cá e os negócios cresceram muito, mas eles não mudaram o modelo. O modelo que hoje está sendo condenado é o mesmo modelo, de intermediações de negócios e criação de entidades para lavar dinheiro", disse o deputado Silvio Torres (PSDB-SP), autor de um relatório na comissão de 2000, à Reuters.
Romário indicou os patrocínios como um caminho para propinas na CBF, citando um acordo com a TAM.
A TAM deixou de patrocinar a seleção brasileira em 2012, após o jornal Folha de S.Paulo relatar que seu contrato pagou 7 milhões de dólares por ano para companhias de um associado próximo ao ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira. Um representante da TAM disse que estava pronto para esclarecer detalhes do patrocínio de 2007 a 2012 para as autoridades.
Uma investigação do Senado descobriu detalhes de um acordo da Ambev em 2001 no qual pelo menos 9 milhões de dólares foram para uma companhia intermediária de um associado próximo a Teixeira. Ambev e Inbev se negaram a comentar sobre o assunto.
Teixeira deixou a CBF em 2012 em meio a uma investigação policial sobre denúncias de que teria recebido milhões de dólares em subornos de uma agência de marketing esportivo. Ele negou as acusações e não foi acusado por qualquer crime. Tentativas de contato com Teixeira não foram bem-sucedidas.
O atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, diz que não sabia de nada sobre o suposto esquema de propinas envolvendo a entidade e está cooperando com investigações das autoridades.
Sob o atual patrocínio da Nike com a seleção brasileira, que vai até 2026 e sem detalhes públicos, a empresa paga à CBF 40 milhões de dólares por ano, de acordo com uma fonte familiarizada com o contrato.