SÃO PAULO (Reuters) - Diretor de um dos documentários mais bem-sucedidos dos últimos anos, "Vinicius" (2005), que alcançou 200.000 espectadores, Miguel Faria Jr. volta-se para outra figura máxima da música popular brasileira, Chico Buarque de Holanda, no documentário "Chico, Artista Brasileiro".
Ao mesmo tempo que a escolha do personagem parece óbvia e que, exatamente por ser tão popular, tanto se saiba sobre ele, o documentário, se não inova propriamente na forma, oferece oportunidade para que o próprio artista exponha sua longa trajetória.
E ele o faz com notável naturalidade, humor e despretensão, sem deixar de percorrer cada estação de uma vida dedicada à música e à literatura, pontuada pelo sucesso, o engajamento político e uma notável discrição com sua vida privada.
A memória, como se espera, é a matéria-prima do trabalho do compositor que, aos 71 anos, não mostra desejo de voltar no tempo, a nenhuma fase de sua vida, nem se preocupa como será lembrado.
Um competente trabalho de pesquisa seleciona imagens raras do compositor, de arquivos nacionais e estrangeiros, como entrevistas de Chico na Itália, onde acabou se exilando temporariamente na ditadura militar, além de uma rara sequência da TV italiana, mostrando-o cantando ao lado da atriz Lea Massari (conhecida por filmes como "O Sopro no Coração", de Louis Malle).
O longo casamento de Chico com a atriz Marieta Severo (que durou mais de 30 anos) é evocado de forma delicada, pela lembrança que o ator Hugo Carvana entrega de como se conheceram, nos anos 1960. Tanto como o Chico da vida real, o filme passa bastante ao largo de sua intimidade familiar, colhendo uma confissão meio inesperada dele, de que hoje ele vive só tranquilamente. Chico mesmo achava que, depois de romper um casamento tão longo, se recasaria em breve, mas não aconteceu.
A família entra mais pelo viés musical mesmo, quando se mostra Chico cantando e tocando com três de seus sete netos, dois deles filhos do também cantor e compositor Carlinhos Brown. Um momento que evoca um dos temas do documentário, a transmissão da própria bagagem e a filiação a uma certa linhagem artística – no caso de Chico, um herdeiro direto de Vinicius de Morais e Tom Jobim, parceiros que o elogiam rasgadamente em excertos documentais.
Um grande acerto é o apuro dos números musicais especialmente produzidos para o filme, com direção do violonista Luiz Carlos Ramos, um parceiro habitual e afinado com a sensibilidade de Chico. São momentos de grande beleza a releitura da canção "Sabiá" pela intérprete portuguesa Carminho e o dueto de Adriana Calcanhoto e Mart´nália para "Biscate".
Autor de um quinto romance, lançado este ano – "O irmão alemão" -, Chico revela sentir-se mais escritor do que compositor, por incrível que pareça, já que garante conhecer bem mais literatura do que música, o que soa curioso nesta altura da vida do autor de mais de 500 composições registradas. A afirmação não soa estranha, no entanto, quando se leva em conta a alta sofisticação poética de suas letras.
Referente a um episódio real de sua biografia, a existência de um meio-irmão alemão que nunca conheceu, o mais recente romance leva também a uma pequena viagem de Chico a Berlim, onde encontra, em arquivos de TV, uma imagem desse irmão, Sergio Günther, que curiosamente era também cantor, além de jornalista, e que morreu em 1981.
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